segunda-feira, janeiro 24, 2011

SEREIA DE ÁGUA DOCE FAZ A MELHOR CANÇÃO-No rio Ibirapuitã, com Elvio Vargas


SEREIA DE ÁGUA DOCE FAZ A MELHOR CANÇÃO- No rio Ibirapuitã, com Elvio Vargas.
1-      Água doce em pedra dura tanto bate até que escreve!(eheheheh). Fiz uma analogia, uma reflexão.Penso que somos nossa cidade, nossas imagens, as que criaram palavras em nós.Isso acontece comigo, quando retorno ao cais, ao estaleiro só para ver se encontro um sentimento  de anos atrás.Esta falta é que faz escrever...Tu vens de Alegrete, cidade cantada em verso e cor.O que, desta tua aldeia, faz verso na tua voz?

-Existem poetas que criaram-se nas vizinhanças de água salgada,doce, planície e montanha. Cada um carrega sua orfandade  e força nos signos de sua linguagem...e para tanto, colecionam os ícones que irão de uma forma ou outra moldar sua poesia.Borges, quando falava de sua distante Palermo, cidade que fica perto de Buenos Aires, emocionava-se. Ao falar do Alegrete,ao falares de tua Montenegro,e assim por diante...o que fica gravado para o resto de nossas vidas são aromas e  lembranças  dos meninos que fomos.Escrevo para velar a criança solitária que fui...o moço que em mim morou, e agora sigo, escrevendo ,para me defender da solidão dos dias maduros.Perdoem-me os muito alegres e felizes com suas escrituras...minha poesia é catarse. Alegrete é a minha Ítaca, a gente sempre  pensa que saiu de sua cidade, briga com ela, erode-se em ira e desafeto, mas  lá no fundo...jamais a deixamos. As almas não trocam seu domicílios, que os cambia com facilidade são os corpos e as sensações.Quando grandes amigos meus me perguntam, pois na minha geração, este ano, estaremos completando 60 anos: Élvio!!!!!!!!....qual é o motivo que recebemos tua visita poucas vezes ao ano. Respondo-lhes: terei toda a eternidade para vizinhar com vocês..............

2-      Na tua home Page, sabemos muito do Elvio. Suas premiações ( muitas), o reconhecimento, as amizades...Enfim! Soube , por ali, da tua pizzaria, da proposta que se aventurava na reunião de pessoas em torno do comer e do texto.Poderias falar um pouco desta experiência?

-Sem medo de errar e amparado por uma rara felicidade, lhes confesso: Foi um dos mais belos momentos que VIVI, enquanto empreendedor,PAI, esposo, empregador, amigo e POETA...A DA VINCI virou uma lenda (ao menos para mim e para a gurizada de então), todas as noites eram uma festa.Nas minhas mesas muitas gerações passaram, riram, fizeram seus aniversários e viveram com qualidade ímpar seus momentos de plenitude...Não era raro ver meus filhos ,e o de outros, dormirem em cadeiras que ajeitadas viravam pequenos berços...
Vou lhes contar uma história de miséria  e ternura que ali fui protagonista, e o que representou para mim a grandeza do coadjuvante.Nosso movimento começava às  19 hs e findava as 23hs.Seguidamente um homem maltrapilho rondava o portão da pizzaria ,até que uma noite ,eu pedi ao meu amigo e garçon  Éder( que não reside mais entre nós) que fosse saber o que ele queria. Voltou com a resposta: Ele quer um pedaço de pizza, pois está com fome. Disse-lhe que pegasse na cozinha e lhe desse.Tal doação virou dízimo...mas não me importunava. Um bela noite , ele entrou no portão, e foi até a janela onde eu ficava, e me disse: Senhor,por não ter nada para lhe presentear e por morar na beira do rio Ibirapuitã, procurei por uma pedra bonita e achei...gostaria que o Senhor aceitasse.Diamantes são lágrimas mineralizadas pelo clarão do luar...


3-      De Alegrete, boas colheitas... Porém, fico pensando cá com alguns botões (ehehehe...lembrei que pediste para que eu ficasse com os meus bens fechados) como foi esta descoberta das palavra-poesia vinda de ti.Explico: terra de boas colheitas, de plantio, de gado forte e de homens que perpetuaram um imaginário ligado a isso.Quanto à lida com a palavra, talvez o touro mais bravo que exista,há um caminho percorrido.Do campo à letra, à construção disso no papel.Como foi para ti, esta trajetória?

-A pobreza, ócio e excesso de tempo ,é um trinômio perfeito para equalizar o despertar da verdadeira vocação da arte.É só leres a biografia dos poetas, pintores e outros.Claro que depois vêm a técnica, o conhecimento e a disciplina.O bucolismo hediondo das nossas longas noites de hibernia ou os sois abrasivos dos verões da fronteira, geram solfejos que mexem com os espíritos e estes nos elegem no seu carteado  de lúdicos silêncios...As palavras escolhem os POETAS...mas lhe cobram e o ágio representa uma vida inteira.
Toda a metade sul gerou, gera e para sempre vai gerar, bons, ótimos e imortais poetas. Justamente pelo trinômio acima citado.



4-      Percebo teu encanto por sereias(eheheheh). Inclusive  falavas da tua amizade com algumas.Descreveste uma cena impressionante que me vem à memória.Tu falavas sobre a delícia de fazer amor no rio Ibirapuitã. Descrevia a sensação de volta, quase uterina, numa lua que se entregava em pequenas imagens(palavras minhas).Pediria que pudesse transcrever esta pequena parte de teu texto. Poderia falar um pouco disso?

-Amar envolto em água doce é como voltar para a placenta...talvez aí esteja a minha metáfora onde envolve as sereias...tento exorcizar o Édipo que hospedou-se em mim...mas agora é tarde demais ....ele também envelheceu...Iemanjá nos perdoa!!!....



5-      Viagens, viagens... Tenho medo de avião, lembra?Não viajo e meus planos de ir à Cuba ( e tem que ser logo antes que os vestígios da revolução morram com os novos tempos) está enroscado nisso.Disseste que não viajas muito, também.Porém...falas numa viagem interior.A viagem de cada um, no seu próprio texto.Seria a viagem de Ulisses...ou a viagem de Fausto?

-Se eu conseguisse viajar no tempo, e marcar um encontro com Homero e Goethe, pediria-lhes a licença poética, para fundir estes dois grandes personagens num único ente ,que eu batizaria pelo nome de ULIFAUS...Do Ulisses eu roubaria sua coragem, planejamento, fidelidade aos seus marujos e a sua incansável jornada de volta para casa, mesmo abandonando as luxúrias e a sede sexual de CIRCE.Do Fausto eu ficaria com o conhecimento, a lucidez , sua alquimia, sua astúcia para atrair Mefístófoles,mas não pactuaria com ele.



6-      Tenho pensado que a essência humana é fazer poesia. Penso que vez ou outra todo mundo faz.Por exemplo, lembro de algo que chamo “ texto sem palavra”, quando um sujeito pronunciou ‘ A mulher ficou lá” e mostrou as mãos.Não precisou dizer mais nada.Ele tinha as mãos marcadas, era um descascador de mato...e sabemos o que acontece com as mulheres que ficam sozinhas , dependendo dos outros homens, numa situação destas.Nisso sustento que a poesia é humana, de todos.Como tu vês este reconhecimento ou não, de algo poético num texto discursivo ou escrito de qualquer pessoa?

-A poesia é o desdobramento do logus divino.""""O Verbo está entre nós""""""""", não é preciso haver palavras para que triunfe a poesia.Nada é mais poético que o último olhar, um adeus, o beijo, a carícia, saudade...o sexo parece...mas não é.Tudo aquilo que está no mapa do instinto não é poesia, é reflexo, é sensação recodificada pelos novos padrões da exigência. Erotismo já é poesia( ao menos para mim) pois ele no seu construto lírico ,está a serviço das vozes íntimas do corpo,e estas, movem a grande ópera dos amantes.


7-      O que te causa?O que causa teu texto?

-Meu texto é desolação, pungência e desejo...emito um sopro sinestésico em tudo aquilo que não tem vida, e nem nomeação, e os revivo através da lírica...


8-      Falavas em homens que faziam as catedrais... ( eheheheheheh). Poderia nos dizer como percebes esta relação?
-Uma das mais  belas catedrais da natureza humana é o POEMA...pois ele com sua vogais e consoantes ,vai alicerçando góticos templos ,que em qualquer idioma, devidamente traduzido, cintila nas retinas e corações dos leitores, viagens para o mágico mundo das sensações.

9-      Quando nos conhecemos por email, falavas nas amizades com as sereias. Em seguida enviaste uma poesia maravilhosa para Indecentes Palavras: “ Alexandria”.Logo pensei na poesia como sendo uma cidade, uma mulher.Lembrei até mesmo, de uma música de Caetano  “ Doces Bárbaros” em que ele  fala de uma invasão.Poesia, Cidade,Mulher...o que estas palavras te dizem?

-O Poema Alexandria é mitologia temperado com erotismo.



10-   Qual a forma de criação de que tu mais te serve? Quero dizer...como acabas criando um texto?

-Preciso ficar numa vigília com aquilo que escrevo...como diria o Mário Quintana:...um poema antes de ser escrito, tem que ser sonhado.



11-   Começar, recomeçar... Pelas más línguas, sei que minha escrita causa uma certa ruptura.Uns adoram...outros detestam.É o retorno que acolho com carinho porque os leitores não me pertencem!Eles são de um tempo alhures de minha pobre existência. Eles são tão maiores porque lêem o meu pequeno rabisco com o seu próprio e, para mim, isso é que importa.Como te vês neste reconhecimento de teu texto?

-Digo e muitas vezes causo estranheza: Escrevo para a ETERNIDADE...pois assim, terceirizo esta preocupação, se estou sendo aceito ou não!!!???..mas intimamente sei quando acerto...



12-   Então ... sair de onde estamos dói. Isso dizias de minha intenção de morar em Porto Alegre e da tua experiência em  sair de Alegrete. As mudanças de cidade, de país...dependem da mudança de mundo (eheheheheeh). Bem... mudar subjetivamente dói muito porque é deixar um lugar fixo subjetivo criado na família, na cidade; lugar editado e reeditado por nós mesmos no afã de não sair de casa.Quando é que se sai de casa?

-Nunca saímos do mesmo lugar...a saudades que sentimos ao pensarmos que estamos longe ,é de nós mesmos...das sensações...dos amigos mortos...dos pais que já se foram.
A medida que vamos vivendo ,e o tempo vai passando, nossa trajetória em memória e lembranças é regressiva.Bom seria se tivéssemos a vida de Benjamim Button...nasceríamos com oitenta anos e morreríamos  no colo da MÃE...É o tempo que comanda as lembranças, e não as lembranças que comandam o tempo.


13-   Sei de teus trabalhos pela tua home Page.Entre os tantos já publicados, entre os vários prêmios recebidos, as homenagens...qual a vivência que tocou tua catedral?(ehhehehe). Quero dizer... qual a que te fez sentir-se reconhecido como o Elvio, nu como dizes que estás?

-Nos últimos anos eu decifrei meu enigma: Vim para ser POETA...e tudo aquilo que recebo,  em nome deste patrimônio humanístico,  tenho a responsabilidade de deixar para todos antes de partir, para que leiam...ou não leiam, é meu  LEGADO.A opção final é dos leitores.


14-Elvio, ...para ti as palavras nos habitam ou somos nós que habitamos as palavras?

-As palavras nos habitam...guiam...e sabem a hora certa para a germinação em nossas páginas.


15-Já te disse que a escrita e as formas de arte, para mim, humanizam.Também já comentei que não acho isso um UAU!, simplesmente porque não acredito que sejamos a melhor das espécies só porque infestamos o planeta de gente ( ehehehehe). Porém, a arte é o que temos de melhor, para que não haja tanto espaço para o que temos de pior: nossa agressividade e violência. A literatura humaniza. Neste sentido, o que são para ti, espaços de humanização?
 Quando bem trabalhada a arte humaniza.Naturalmente que a literatura está inserida nela!!!...


16-Quais os trabalhos que te deram gosto ( estalo na língua) em participar?
 Eu só escrevo quando o tema me interessa...mesmo se  for encomendado.Tenho que ser atraído...seduzido...senão é tragédia pura...

17-Gostaria de dizer mais alguma coisa?
Foi um prazer conhecê-la e te agradeço pelo espaço e pela paciência, até chegarmos as
partituras certas deste allegro, com o melódico vagar dos adágios. Como dizes: Beijo grande e fraterno- Élvio Vargas

Não sei quais os ventos que fizeram este encontro.Talvez um  que se pôs a dizer versos sobre sereias e marujos, sobre águas salgadas e doces, sobre esta pele que nos enlaça; água morna feita de lua...que faz flutuar uma doce canção na carne dura.Ouça, Elvio...estão nos chamando e somos a voz em  ninar neste rio de antes.Da mesma falta, somos amantes.
Beijo com todas as letras

2 comentários:

  1. Amei a entrevista, Adriana! Os dois poetas navegaram em águas doces e salgadas...

    O Élvio, até respondendo a perguntas em uma entrevista, continua sendo sempre e antes de tudo, um poeta!!!

    Beijo,
    Cristina Macedo

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  2. Que bela entrevista, as palavras me habitaram e a sensibilidade de Élvio é puro contágio e, ao ler, os dois, mais uma vez mergulhamos no logus divino no Ser Poesia para nos encontrarmos em essência.

    Ave Poesia e parabéns aos dois, beijos.

    Carmen.

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