quinta-feira, março 31, 2011

Texto e invenção: conversas com Lau Siqueira

Sim...Mas, repara que a tal sedução natural transmitida pela possibildiade de invenção,de letra,de fala estabelece-se de forma diferenciada nos dais de hoje.Isso há algumas décadas.A tal transmissão torna-se incapaz de gerar um outro, elevando a condição humana de ser na linguagem em...alguma outra coisa.Minhas hipóteses vão por aí, inclusive acerca de nosso mal estar apresentado pela drogadição.
Nota que a sedução das oficinas de leitura e escrita muitas vezes não passa da mesma oferecida pelo anúncio de cigarro; nota que entre uma oferta ( pela coisa) e um encontro ( de algo que invente porque falta) surge o encontro sem falta, sem fala.Nisso os textos têm esta função importante mas...para além disso tenho pensado que o autor, a pessoa, aquele que inventa, enquanto presença no que nem é seu ( afinal um texto veio do mundo e à ele retorna) é de importância vital.Nem digo do autor enquanto aquele que dança, canta, declama ( possibildiade igual a dos auditórios transmitidos via tv) mas do texto enquanto história: da sua vida, da sua escrita, de seu processo.Viabilizar um certo reconhecimento entre autor e o resto das pessoas faz um furo, uma hiãncia capaz de, pelo menos, impossibilitar o óbvio.
Para além disso te asseguro que as crianças não estão sendo alfabetizadas.Pior que isso, a forma como são apresentadas à escrita impedem sua natural apreensão desta possibilidade.O texto, antes de tudo, é inconsciente, fundante de sujeito.Isso posto não há influência capaz de distanciá-lo de uma existência.Porém, quando algo aí ocorre...Quero dizer que escolher fazer uso de alguma droga é...da natureza humana.O que não é diz respeito a esta contravenção obediente em que não é um sujeito que  escolhe isso ou aquilo...
Seguimos?
 

adriana bandeira

Lau Siqueira em Indecentes Palavras

LEITURA E SEDUÇÃO NAS OFICINAS

As oficinas de leitura devem provocar, sobretudo, algum tipo de sedução partilhada. Ler um poema ou um bom texto literário é atender a necessidade sempre urgente de recriá-lo. A boa literatura nunca se revela por inteiro. A criação literária enquanto processo aberto substitui o dito pelo sugerido.
O ato criativo deverá estar em aberto, a espera de um outro olhar que virá para reinventá-lo e complementá-lo. A leitura deve,portanto, estimular o pensamento crítico e não estimular um mito e promover um distanciamento estéril entre autor e leitor. Toda obra de arte é aberta: um elo interativo entre autor e "leitor". Ou então, não será literatura, não será poesia, não será arte...
Por isso, ensinar a paixão pela leitura é, sobretudo, despertar para a capacidade humana de criar criticamente e de reinventar-se permanentemente diante do que está posto. Talvez por isso Antônio Cândido tenha afirmado que a literatura é um dos direitos humanos.
Portanto, para despertar a paixão pela leitura e, especialmente, pela literatura, as escolhas são determinantes.
(LS)

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Lau Siqueira
(083) 8831.6849
POESIA SIM - www.poesia-sim-poesia.blogspot.com
PELE SEM PELE - www.lau-siqueira.blogspot.com
“Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz”.
(Roland Barthes)

Te ouvindo

A voz é a alma descoberta.

O Inventáro

ESTRADA DE FERRO- OLHOS DA CONSTRUÇÃO I

Antes das réstias no chão das tábuas, a mãe moía o trigo, pão, fornalha.O pai tinha aquele alarido de mãos grossas, tanta fala.Abria a terra e plantando, sonhava com o que viesse colher.Foram os olhos da mãe, o pão.E o braço do pai toda a água do mundo.Por isso naquele dia havia de ser coisa muito séria.Aquela voz entre dentes propondo morada em pensão.Homens de fala enrrolada, macacão azul de abrir estrada.O pai pensou,repensou.Os olhos do homem eram de um azul de céu que, sabíamos, não existe.O Artigas falava de novo, em castanho olho redondo, reinventando o que a fala ardia: eles querem pouso e roupa lavada.Comida.Pagam pelo mês até seguirem para a outra vila.São trinta...Não há jeito...o trem vem para cá!Iam querer mulher...se tiver lugar.
A mãe...sem olhar.O pai sem os braços, sem o traço que o fez até ali.Não voltaram mais daquele dia que me fundava.Sou a que faltou, a palavra.

Sonho andarilho

Sonha a poeira  ser capturada?Sonha a luz ser apagada?Sonhas? Estrada.

Ar

Pergunto: suspiro.Respondes: inspiração.

Inconsciência

Voa leve
 a prece
 estranha
 que nos alcança
 sem saber
 se foi.

Meus escritos de prostituta

Aberta em tantas,
pousada.
Prostituta amada
dos escritos
que jamais serão
meus ditos
mais de uma vez.

Solidão de morte

Desprovida de graça, ela figurava entre a calçada e a notícia.Ali , sem existência, anunciava a hora da entrada, o tempo da partida.Tão sem razão,desprotegida, a morte cumpria,ia embora e ninguém via.

quarta-feira, março 30, 2011

O DIA DE HELENA - CONTOS



                                          
                       
                                                       
Bastava um dia! Que nele as horas tivessem gosto e tarde fosse o anoitecer. Umas de prazer, delícia do sei lá o quê. Pelo encanto, que fosse para sempre este instante, mesmo que durasse um dia. Espanto.
         O táxi ainda parado, resmungos, Êta, homenzinho difícil. Olha pelo retrovisor, Espera pelo quê? Respiração. Dá partida num ronco de sono. Ainda bem!
         Carro sofrendo de mil pecados, estofamentos sem cheiro de solidão. A limpeza é solitária, nos finais dos dias, nas ruas paradas. Quando o táxi é sujo sempre penso assim: homem sozinho não faz verão. Pois este com tristeza,  embaraço, desaposento. Ah, o carro com esta falta de preparativos, sempre gostei disto! Clientela sem lugar. Reforço o olhar pelo espelhinho. E então? Arranca devagar.
         Olhos de paciência, negros de lente de sol. Tateiam meu vestido, coberto de verão. Enxergo a segunda visão, a que me espia enquanto ele segura o volante. Na tentativa de estar em dois lugares ao mesmo tempo, silêncio de televisão. Acalmo meus braços que limpam a janela de trás. É que a cidade me encarnou. Porto Alegre sempre foi de meus sonhos. Caberia no meu dia, se viesse a ter.
         Volto a balançar pelas ruas num encontro qualquer. Queria retornar nesta cidade, nascer novamente na avenida principal. Seria meu dia de festa, estar em meu nascimento. Tristeza, hoje não posso nascer. Nunca pude antes de escurecer. O cansaço, levantar cedo, restrições.
         As visitas são nos finais de semana.O pai hospitalizado, diminuindo em cima da cama. Levo maçãs e bolachas. Gostaria de voltar sem que fosse assim, tão doente minha urgência. Sou paciente.           
Mas não é isto que incomoda. Não! O que me parte em duas é o retrovisor com sua miragem em cores novas. O homenzinho abaixa o escuro, dói o temporal. Mira, sem respeito, alguns meus pensamentos. Assédio, pela invasão de meus sonhos.
         Ele desconfia, tenho certeza. Ele sabe que espero um dia. Respeito. Exijo mais isto além da corrida em bandeira dois. Tão caro, não? Pergunto pálida, sem saber sobre o depois. Ele responde, não responde. Uma voz grave faz rasgão na música: tão domingo, não? Quieta. Já fiz minha partezinha. Posso pensar no meu dia! O dia de Helena! Mas o pai não deixa. Na última visita ficou chorando sem lágrima. Mal de Alkzheimer. Petro! Petro! Ele gritava, segurando minha mão. Consegui dizer algumas coisas, sem coração. Assim não, pai! Assim não! Ensinava a pequena criatura a não limpar o nariz com as mãos.
         Para falar é preciso não ter dó, nem piedade. Não ter início nem conformidades. A palavra sempre é dura, mesmo no mais delicado tom. Compondo lugares, crueza da discrição. Quem seria Petro?
         Nariz de Pinóquio, no hospital. Digo que quero, que volto logo. Não obedeço, sobre não mentir. Do pai, as mãos me seguravam lá nas ondas do mar. Barco que nunca virou, verdades sobre me afogar. O ar da rua entra em golfadas, naquilo que as avenidas disparam, oração das calçadas. Aquele mal estar crescente, cheiro de impaciência. O moço me olha sem vergonha, peito aberto no calor dos quarenta. Graus e anos a colher tostões. Ainda penso no dia do sofá, da folhagem ou da esquina. No dia destes pensamentos soltos, das horas vazias. Por aqui, riachos. Guaíba notícias e buracos de antes. Braços em pêlos sobre a direção da via.
         Há uma confissão importante a fazer, isto de matar ou morrer. E sempre se morre, aos dias, e sempre se mata na insensatez. Morrer é não e ,embora eu sim, sim, sim,... ainda me espera o final.
 Antes acreditava que eu para sempre, sim! Que pelo menos uma viveria no nunca mais. Hoje, reparos.
         O cinzeiro vazio, as luzes do domingo cristão. Os olhos na estrada seguem sem pudor algum. Andam e andam, sem velocidade perceptível.
         Sou. Transição.
         Quero a que me parte em duas. A verdade nunca foi meu ato bom. Pai, deixe-me ir, nunca mais voltar! Também vou morrer, em algum tempo e lugar.
         O táxi segue. Ainda a música canta minha cega condição. Quero um certo respeito que não tem mais nenhum chão. Julgo as aparências e os olhos do espelho acham meus tons. O estranho é que são de pedido, muito mais do que de pretensão. Para falar, para dançar, para intrometer-se naquilo que não divido com ninguém, meu dia principal.
         Digo solta: que rua é esta? Ele responde em amor de gesto. Desliga o rádio, pede socorro inquieto. Vejo que segura palavras, como se pudesse ferir. O silêncio dá voltas e percebo que nada lhe disse sobre o destino. Respondo sozinha sobre minhas riquezas, rotinas. Para onde vamos? Neste hoje, seguir estradas. A chuva molha a rua, despreparada.
 Sou passageira, mais nada.

 adriana bandeira

Dia de árvore

Na tarde,
sono de luz
cansaço
que toda árvore tem.
Toma-me o verde
de antes
a vida
de antes
o que não
cessa
não
vem.
Em parte morta
a réstia de terra
esconde minha
a fala inquieta.
É o tempo
moldando meu ventre.
O dia tem
mãos
de ferro

segunda-feira, março 28, 2011

Para ele

Nossas diferenças

Sempre tuas mãos
serão estranhas,
tua forma recebida
na denúncia
que  penetra onde
nada existia
além do pulso:
dor de entranha,
partitura.
Assim ainda
mesmo  sendo
violento o espaço
em que me fundas

neste sentido tua
quando me dou
em ti,
nua.

São tuas as minha mãos, as palavras entre nós - Texto de Leonardo B. para Indecentes Palavras

De Improviso
Para a Adriana Bandeira,


O momento,
do momento que se traz cá dentro
como um lume que não se apagou,
como o retrato repentino
da gente que nos ficou no peito,
gaiola em desajeito
de folha e arame improvisado,
como horizonte de mar que se acontece preso ao céu.
E sem preparo
invento, do instante
o tanto ou quanto só,
cheio do que a memória guardou
no rio de dentro,
na margem do forte tambor aluvião.
E de súbito, o momento
do momento que em forma de gente restou
antes ou depois,
do mínimo espaço
do tempo,
do vento vago que se arruma cá dentro,
resto de momento que em mim trago
como brasa dum lume que não se apagou.
Dum gesto, um momento
um passo que trago do levante,
que fica,
dentro do tudo o que me basta, agora
e do instante,
agora, do pouco eu
que invento
ou improviso,
de todo meu passo
futuro e passado,
a gasta pedra onde
em sangue,
também sou letra, momento meu
onde me teimo ficar inscrito,
como mínimo espaço do tempo que me divide,
resgate urgente
do pouco,
pouco do mundo, de repente.
E quem diria que
aqui, ali, mais adiante
no peito, no rio breve, na palavra,
dentro do lume que não se apaga
cá dentro, afinal
também há gente?

Leonardo B- abarcadosamantes.blogspot.com

Março 2011, 27
[breve aparte: o original deste “improviso” surge assim, tão de repente, na caixa de
comentários num post da Adriana Bandeira, numa versão menos elaborada, e aqui
ligeiramente alterada, mas orientada pelo mesmo principio… apenas em passo, caminho
um pouco diferente, porque o principio e fim continuam inalterados: estas poucas
palavras meio desalinhadas (ou alinhadas, conforme a perspectiva), pertencem à
Adriana Bandeira, ainda que saídas de minha mão.]
|imagem: reprodução de Francine Van Hove|

domingo, março 27, 2011

Rapto de poema - Pedro du Bois ...em detalhe

CHUVAS

Na chuva
encharco
ensopo
destaco o guarda-chuva
ao cinza: empoço
               o canto do pássaro
               escondido
               em vão
               em vãos de telhados
               eiras e beiras
               ressurgem ninhos
               de pássaros
               cantando o final
               da chuva: na hora
                                seco
                           resseco
destaco o guarda-chuva
em que me apoio.

(Pedro Du Bois, inédito)
http://www.pedrodubois.blogspot.com/

PÉROLAS DE ANITA

A tristeza não se vê porque ela está no olho.O coração se mu(n)do... você faz parte de tudo.O tigrão, eu brinco com ele...e ele me faz feliz.O coelhinho e o Tigrão me fazem sentir a mais feliz do mundo!

Anita Cardoso Rosa


Ps: as crianças fazem poesia.Anita tem 5 anos.
adriana bandeira

CARTA À LEONARDO B., O BARQUEIRO DESTE CAIS...SE O VENTO LEVAR-ME DAQUI ATÉ ELE, ENQUANTO LETRA DE MAR

Acontecer é registro de letra. Antes do corpo, na pele de seda.Que nem existe sem esta camada dura, inscrição da perda.

sábado, março 26, 2011

Quando

Quando me faltarem
as coisas que se desprendem
do tempo: as mãos,olhos
esquecimento
Ainda me faltando
o andar, forma de vôo
de dança
de escrita
de vento
Que eu me falte
como sempre
na verdade que se rompe
de si
Ainda restando
no que sempre
fui nada
só de mim

Luta de mulher

Nas floreiras planto o que o tatu bola não come.Não sou boa das mãos.Nem amei, nem foi em vão.Só não sabia destas coisas de prazer.Achei que ser mulher era vencer.

Luiza





PS:Vozes é um marcador que possibilita as falas de vários outros.

adriana bandeira

estrada marcada

Fui marcando por onde não voltar.Por fim as estradas estavam cheias de letras e desisti de não lembrar mais.

A água de sempre

Chuva benta desenha estrofes, escrita entre dentes.Continua a história, rio serpente, de heroínas que amaram homens valentes.E a coragem, desde antes, nasce no ventre.É da voz que canta as mesmas flores, de forma diferente.

Desaparecimento

Dobrei o lençol e a toalha.Guardei meu corpo no armário da sala.

Hoje

Nos dias de chuva
descanso talheres.
Sirvo-me da desigualdade
do tempo
tão rápido,tão lento

quinta-feira, março 24, 2011

Para conferir

Página do poeta e " cantador " cubano Silvio Rodriguez: http://www.lapalavradesilviorodriguez.blogspot.com/
Vale a pena conferir.

Por não ser outra, meu nome na letra dele: brincadeira em poema de Paulo Cezar Alvez Custódio

por onde andadriana,
por ruas
           avenidas
                  estradas?
por onde navegadriana,
em mares nunca Dantes navegados,
ou ares nunca tantos pássaros?

por onde sonhadriana?
em telas teias multidões.

paco cac

Esperando visita

As janelas fazem o ar.Respiro alinhando a colcha branca, cama de anos atrás.Já reparei, não se troca o lugar.Apenas um espaço entre as palavras de dentro, dando este ar de graça, de enfeite pelo que vem.Perfumada,o chão aquecido nas mãos do ainda nada.O assado no forno e o vinho para abrir depois.Aguardo tua chegada como fazem os anos da casa, que nasceram antes de mim.

quarta-feira, março 23, 2011

CONVERSAS ANTES DE DORMIR ...COM ANTÔNIO AMARAL TAVARES


ENTRE COBERTORES E FALAS

Adriana- A tua poesia faz-me não pensar. É como se a razão sumisse estilhaçada.Todas as que leio, ultimamente.Acho que alguns textos estabelecem este tipo de relação com seu leitor.É a cada vez.Por exemplo, amo o texto " O cavaleiro Inexistente" de Ítalo Calvino.Mas não amo todos os textos de Calvino.Isso vai contra o que se diz sobre o estilo, ou seja, seria mais provável encantar-se com uma forma de escrita do que com o texto a cada vez.São os amanhãs, é o mais um, neste sentido como únicos e estabelecidos num tempo, o da escrita do poeta e o da leitura do leitor...o que achas,Antônio?

Antônio- Parece-me natural que o poeta vá procurando novos processos de escrita e de pensamento. Os meus poemas, em tempos, mudavam muito sob o ponto de vista estrutural e estético, conforme o tema. Isso tem tendência para acabar em mim, julgo eu, mas conheço casos de poetas com nome firme na praça que mantêm essa tendência, como sendo um cunho seu. No caso particular de Calvino não te sei dizer, apenas conheço “As Cidades Invisíveis”, que é mais uma leitura minha, de entre algumas muito desorganizadas que vou mantendo, de forma que não o li todo, ainda. No entanto considero-o um livro de poesia e confesso que o tema da cidade me atrai muito. Acho muito natural, que haja casos em que só ocasionalmente, o tempo do leitor se cruze com o do escritor ou poeta. Eu próprio, como leitor, conheço um exemplo ou outro assim.
Seguindo o teu pensamento, o amanhã do leitor também existe, isso não merece qualquer dúvida, e se um poeta procura comunicar e dessa forma ir ao encontro do leitor, é natural que quando o poema sai para a rua o leitor já lá não esteja. O poema também procura o leitor, tal como o leitor, o poema.
Lembremos Garcia Lorca, que tomou o caminho do surrealismo, também porque todos à sua volta o faziam, e ele, se o não fizesse ficava para trás.
Falas que, na minha poesia, é como se a razão estivesse estilhaçada. É verdade que me sirvo da poesia, em muitos casos, para procurar a razão ou a realidade onde o meu corpo caiba, Em quase todos os poemas que faço, mesmo não sendo esse o tema, há-de existir sempre uma frase, um verso que espelha essa procura. É uma forma de eu a procurar, evitando queixar-me e de falar o menos possível de mim. Sou eu a reconstruir o rosto interrompido, a procurar o mistério das coisas e as coisas de mistério que perdi pelo caminho. É um exercício interessante, esse de procurar as coisas e as cenas que trazem com elas mistério profundo. É algo em que podemos pensar mesmo sem escrever. Temos que procurar nas cenas do dia a dia ou nas nossas memórias mais profundas. Para mim é uma teima, isso de fazer do poema um lugar de mistério, é como se tentasse recuperar tempo perdido. Mas só os grandes poetas são capazes disso, eu apenas ocasionalmente o consigo. Dava um bom tema de conversa, se conseguíssemos falar dele sem ser através da poesia.
Beijos, Adriana.


Adriana- Hummm... O tempo perdido...'No Caminho de Swann"...Mas qual o tempo que não é enquanto perdido?Talvez exista um que na sua repetição consagre o indizível como zona neutra.Gosto de uma expressão minha que é " que não passa sem parar" ou  "Não para sem passar".Sei que isso diz respeito a experiência com a psicanálise e este tal inconsciente atemporal.Penso a poesia como algo que não traz nenhuma palavra nova.Apenas uma forma diferente de dizer algo do Universal.Realmente tua poesia tem esta marca de ser outra a cada vez.Como na série sobre Nova Iorque...Ali é outro a dizer algo.
A cidade é universal e é imaginária,de cada um.Deste lugar viemos...Como descreverias este tempo em que ainda não poetavas?Quero dizer...cresceste onde?De onde vem teu tempo?(eheheheheh)...

Antônio- Sim, tens razão, todo o tempo é perdido, mas eu acredito que de tempos a tempos os ciclos de vida, naturais ou provocados, nos farão com que nos reencontremos, como um rio sobre o qual voltamos a passar. É essa ideia que procuro explicar no meu poema “Aveiro Revisitada” que poderás ler na etiqueta “cidade”, no meu blog. Há realmente coisas que não passam sem parar. E uma simples visita a Aveiro, na qual passei bons momentos na infância, com os meus avós, fez-me apanhar-me a mim próprio de uma forma que não conseguiria sem visitar essa cidade. Há um poema de António Gregório, português, que também poderás ler no meu blog, em que ele fala que o Universo se está a expandir, mas mais tarde recebe a notícia que, tal como se expande, um dia há-de contrair-se. Penso que este poema também fala disso.
A universalidade, em poesia, é uma coisa relativa. Por vezes, sendo universal, ela apenas representa um pequeno período da nossa vida e se lhe podemos chamar universal é porque procura uma verdade, em se tratando de boa poesia. Aliás, não sei se a poesia não é um grande engano, tal como a realidade que, existindo, é a de cada um.
A série sobre Nova Iorque é especial. Foram leituras que fiz de fotografias dos arquivos do MoMA e consegui uma economia de palavras que não repetirei, não querendo dizer com isto que nada tirarei dessa experiência, antes pelo contrário, aprendi bastante. É novamente o interesse pelo tema da cidade.
É como dizes, a cidade é também imaginária, podendo ser longínqua e desconhecida, como foi o caso de Nova Iorque, ou podendo ser um lugar pertencente ao nosso crescimento e, é claro, ao imaginário e aos sonhos e desilusões que nela vivemos. Não querendo exceder-me em exemplos da minha poesia, se leres o “Poema da Cidade Distante”, lá encontrarás quatro cidades: duas reais e duas imaginárias, descritas sobre os lugares de Lisboa e Coimbra.
Eu tenho algumas dificuldades em falar do meu crescimento, principalmente da adolescência, peço que me desculpes sobre isso. A primeira publicação que fiz de poemas meus, no caso dois textos, foi aos vinte e um anos num anuário de poesia de autores não publicados que a editora Assírio & Alvim lançava por esses anos. Mas cedo passei a não gostar desses dois poemas e de qualquer coisa que escrevesse. De forma que deitei tudo fora, não se perdeu nada de bom, e parei de escrever. Só voltei a escrever em 2003, penso eu, gostando do que escrevia o bastante para o guardar. A razão para isso é um lugar de dor para o qual não estou preparado para falar, mas que se estiveres atenta, aos poucos vou deixando pistas como que deixa cair migalhas do pão que come
Abraços para ti.

Adri- Sim...recebo tuas migalhas e percebo...tu recebes as minhas( eheheheheh).Sobre o que já falamos e mesmo que não seja igual...são nossas migalhas.É o que somos,não?Somos o que restamos.Mas, de fato, penso na poesia como instância da verdade.Nem tanto pelo que relata mas pelos significantes que assombram o leitor, propondo que este faça algo com o que lê.E digo, com todas as letras,o leitor também é o que escreve.Afinal, lemos algo que nos vem, colocando isso num papel ou tela...numa palavra, para ser mais precisa.A verdade, neste sentido, não tem tempo algum, por ser este assombro, estalo, este gosto que escapa a cada vez.O gosto que se perdeu e " revisitamos".Tenho pavor de ler meu texto,depois que pensei estar pronto.Não gosto de revisitar o que não é um novo gosto, ou seja, outra criação.Neste sentido, achas que lidamos com uma espécie de morte?Digo, a palavra seria uma forma de inscrição de morte?


Antônio- A palavra é uma forma de morte. Eucanaã Ferraz diz que é defeito, Eugénio de Andrade dizia que é o real. Eu digo que é um erro. Caminha do sonho para a morte e por isso tresanda a morte. É um engano que nos faz muita falta. T.S. Eliot dizia que todo o poema é um epitáfio. Provavelmente amamos o real porque ele nos engana.
Há de facto na poesia um caminho para a verdade, senão um encontro com ela. Já falámos disto: se a verdade não é universal, ela tem pelo menos um rosto, uma máscara, que todos já vestimos ou sonhamos no passado, ou até que quisemos que fosse a nossa vida.
O Leitor também é o que escreve, pois é. Correndo o risco de citar demasiados autores nesta questão, o que só prova a minha ignorância, lembro ainda Joaquim Manuel Magalhães ao dizer que “o que o poeta desconhece o poema sabe”. Quem descobre essa sabedoria adicional é o leitor e há leitores que nunca escreveram um verso que são mais poetas do que muitos que já os publicaram.
Entendo que falas também na verdade como algo que nos escapa de um dia para o outro, a nós que escrevemos. Isso é apenas uma condição ou um desprazer de quem escreve. Perde-se um pouco com a prática, mas já li dos maiores poetas que lhes acontece isso frequentemente, que o que deitam fora é mais do que o que conservam. Pessoa escreveu poemas sobre isso. É um risco que se corre, escrever um poema num dia e no seguinte ou dois dias depois estar a mostrá-lo, de qualquer forma. O tempo faz muito bem aos poemas, amadurece-os ou rejeita-os como maus textos. Mas, não sei se podemos falar de morte neste caso. Simplesmente enganamo-nos a nós próprios ou somos palavras que se enganam e enganam o que somos amanhã. Penso que cada um tem os seus truques para evitar ao máximo cair neste engano. Eu por exemplo, evito ouvir música enquanto escrevo.
Não sei bem se fui ao encontro das tuas questões.
Beijos
António


Adri- Hummm...pois é.Pergunto-me seguidamente se portamos as palavras ou se elas nos carregam.Já li que sofremos de uma invasão de palavras que por serem significantes nos consolidam como estruturas psíquicas.Seria o mesmo que dizer que a escrita é consequência de uma doença!(eheheheheheeh) Quem sabe?Se pensarmos na nomeclatura pathos que significa sofrimento,paixão e, também, doença...estamos no caminho ( eheheheh).
Quando falas de engano surge-me o enorme engano que é o amor.Sim!O amor pelo outro é o do por si mesmo...Salvo aquilo que possamos detalhar.Amar uma voz, um olhar, uma forma de vestir...então a verdade sobre o amor estaria no mesmo tempo que a verdade do poema: no que vem a falar depois.Pensei nisto porque amar é restar...sobre o que falávamos das migalhas.´..deixar para além de si.Algo assim...Não sei o que pensas disso?

Antônio- Observas bem. Penso que as palavras nos carregam e que é um engano pensar que as carregamos e manipulamos. Ouvi de alguém, há dias, que as pessoas são textos, tal como as salas ou as mesas, etc. Sendo um reflexo da nossa realidade, as palavras compõem-nos. Assim poderíamos muito bem ser representados pelo desenho de letras, que compusessem sílabas, que por sua vez compusessem palavras, ou que não compusessem coisa nenhuma, fossem apenas sons.
Ronald Augusto diz que a poesia é linguagem em crise. Isso tanto mais é verdadeiro quanto é a descrição exacta de certas doenças mentais, marcadas por um desfasamento da realidade e como tal, da linguagem, e marcadas, pela mesma razão, por um desmoronamento das palavras enquanto suportes de nós próprios, da nossa história de vida, do nosso dia a dia. As palavras são a nossa casa. Quando, ao fim do dia de trabalho, pensamos “vou para casa”, esse pensamento aquece-nos. Mas numa linguagem em crise, essa frase pode muito bem ter perdido as paredes e deixará de ter qualquer significado para nós, embora lá fique o seu espaço vazio. Sim, as palavras carregam-nos espiritualmente e desconfio, também fisicamente. O sexo, por exemplo, tem a ver com tudo, com todos os parâmetros da nossa vida. E ele está na nossa mente e também se estrutura em palavras e no forte significado que têm para nós. A beleza chega a doer e logo tentamos atribuir-lhe palavras. Sobre tudo isto, tu saberás mais do que eu.
Não é fácil falar do amor. Mas, já pensaste que, muitas vezes, o amor atinge-nos não com a verdade do presente, a atracção por alguém que nos responda às ansiedades do presente e da nossa idade, mas surge-nos como uma vingança sobre o passado, uma vontade de preencher lacunas do passado. Assim sim, o amor pelo outro é muito mais um amor por nós próprios. Isto sem falar dos casos em que escolhemos o parceiro ou parceira mais bonita, não porque gostamos profundamente dela, mas porque é a mais vistosa no grupo de amigos ou na sociedade. Também no amor as palavras nos carregam, ama-se porque se chega ao amor. Ou, no caso que descrevi, ama-se porque somos admirados, e então as palavras não são bem nossas, é tudo uma grande trapalhada e a palavra deixa de ter qualquer valor, lembrando esse velho conceito de cultura geral, muito usado nos meios sociais, mas que mais não é que a cultura dos outros. Não tem relação alguma com o nosso corpo cultural.
Não sei se amar é restar ou estar. Mas, se damos muito de nós, é provável que nos tornemos em algo mais do que aquilo que vemos no espelho. Talvez deixemos, nesses casos, uma cauda de cometa para trás, que os outros seguem ou simplesmente lêem. Essas coisas não são invisíveis. E se a relação se desfaz é natural que algo em nós se sedimente e fique para trás como se largássemos migalhas.
Tem sido bom, o Carnaval? Beijos para ti.

António

Adriana- Pois é...ainda as mulheres e os homens são de alguém ou de algo.Mas o amor, de fato, constrói mais do que um si mesmo...Talvez aquela verdade de que nos encantamos por um resquício, por uma voz ou olhar.E sempre há de ser de antes, muito antes.Por faltar ou por lembrar.Aliás: qual a diferença entre falta e lembrança?
Fiquei pensando sobre o que tu dizias de não escrever ouvindo música.Também não gosto...
O carnaval...sobre a reunião que te relatei estava maravilhosa!Agradeço tua colaboração com a poesia além mar.Para mim o carnaval é um manifesto, uma ruptura, uma possibilidade de dizer algo do si mesmo.Muitas vezes, ficamos encantados com a obra sem saber do autor.Isso dá a falsa idéia de que as coisas caem do céu, que não há um eu ou vários eus que puseram-se a trabalhar, a falar coisas, a manifestarem-se.Assim é que gosto do carnaval...como possibilidade do Manifesto, com letra maiúscula.Esta correspondência além mar não deixa de ser uma expressão, um certo retorno.Já reparaste que me chamo Adriana Bandeira, não?São os barcos voltando...O que achas disso?O que achas da poesia que vem do Brasil?

Antônio- Um poeta escreveu que “O amor costuma responder por acordes simples”. Não sei se será sempre assim, mas talvez não devêssemos deixarmo-nos enlevar por esses acordes.
Os dias de hoje, no Brasil, estão muito enriquecidos por uma novíssima fornada de autores de grande qualidade. Já ouvi dizer que são grandes as dificuldades em que os críticos e os seleccionadores da boa poesia se têm visto. No entanto já chegaram às minhas mãos duas colectâneas de novos autores e ainda alguns livros de autores, que sendo contemporâneos e ainda relativamente novos, já gozam de grande reconhecimento. Quanto aos novíssimos autores, faço o reparo de que produzem uma poesia bastante cerrada e que não é à primeira leitura que conseguimos extrair algo dela. Parecem ter riscado da sua escrita, e fizeram muito bem, grande parte das metáforas e palavras do passado. Tenho alguns favoritos, mas não vou adiantar nenhum porque concerteza deixaria, injustamente, alguns para trás, apesar de que o que eu disser relativamente a escolhas não adiantará nada ao cenário existente, estou longe de possuir essa influência, mesmo no quadro da blogosfera.
Beijos e abraços
António

Adriana- Boa noite, Antônio.Até  amanhã ...que o dia aqui já amanhece e as luzes se dissipam fingindo estarem impunes.
Beijo com todas as letras


Antônio Amaral Tavares, poeta português: http://acasaquecaminha.blogspot.com/
Adriana Bandeira, Brasil: http://indecentespalavras.blogspot.com/

terça-feira, março 22, 2011

Olhos de alegria

Desfiz-me dos traços: boca,sexo,ouvidos, nariz.Sem respiração,sem dormir.Ergui em gesto uma voz interna, arrebatada e descontente.Saída de mim, evaporada, toda a casa morada que um dia habitei.Restou uma neblina, uma confusa tendência, de obediência somente ao cio.Virei pedra,serpente.Virei este "rio".

sábado, março 19, 2011

Tinta vermelha

Ferida que arde
a dor não estanca
É ela que sangra
palavra
filho
som.

O piano

O piano escuro adormecia na chave da caixa.O som morto que dele vinha assombrava meu sono, o quarto pequeno do abandono, que se perguntava por existir.Nunca mais dormi.Ficaram estes ruídos que escrevem em " si".

sexta-feira, março 18, 2011

Os órfãos

Deixo órfãos meus armários embutidos,o muro do vizinho e a árvore que cresceu.Abandono no canto do pátio o horizonte do lábio e um olhar que perdeu: a vista, a fome, a palavra.Deixo órfãos os beijos meus.

quinta-feira, março 17, 2011

O INVENTÁRIO

                                                              INTRODUÇÃO

                                   ESTRADA DE FERRO, OLHOS DA CONSTRUÇÃO


Vieram os homens com a língua ferida, olhos pedindo comida. O pai enterrou as ferramentas, abriu negócio, " bodeguita".Água de ardência e, atrás do balcão, perdia o sonho de plantação.Feito riacho, o ferro partia o campo em linha,costurava o chão.Suadas as dores da perda, mulheres invadidas pela fala alheia.Riscavam serpentes, lá para os lados da vila, anunciando a estrada nova, gritaria.
Ainda a luz na janela, casamento com a estrada de ferro.Nunca daria parada, guarida.Sangrando sem estancar, iam-se os dias de colheita de frutas, no pé dos dias.Aberta a terra incontida, propriedade da Estrada da língua.
E quando era dia, o dia.!,de longe as barrigas avistavam tamanho apito.O ferro batido,o calor dos ungidos,batizados pelo santo cristo.O trem vinha como nunca havia sido.Era grande demais, era tarde demais, era incompreensível.Esperavam  na plataforma que ele, o deus de antes e de agora, parasse recolhendo os restos de sonhos, de gente.Passou, sem juntar seus resquícios...não era Estação as sobras da construção.

quarta-feira, março 16, 2011

Para o amor das partituras

Sou tua
as duas.
Se me quiseres,
a cada vez,
fazendo uma.

Feminina letra

Insisto em te dizer
que tudo que sou
vela  o que a letra vem  dizer
A do teu nome,suspiro;
do teu delírio, alívio;
a que calas sem saber.
Por ser segredo da letra
descanso aguardando
tua designação.
Sou tua, desde então.

Teia do fim-suspiro grande

O encanto da noite feito teia, assombra o rosto num desenho próprio.Descansa minha voz que escuta, enquanto cega tua visão estrela.É por entre teus navios,cabelos rasos, que esvazio teu peito no meu arfado, extravio que se aquece nas mãos.É esta distância que te faz no sempre,ausente, lembrança em pequenos botões.Fio intacto, semente por onde retorno a cada manhã.De longe te escuto, inquieto murmúrio e riso na velocidade da luz.Aos poucos morro, nas vezes que sinto tua composição de ser.Digo, Nasço!, quando ainda te encontro, na luz dos dias entre um vir a dizer ...dos teus medos, dos teus desejos destas coisas que de longe me fazem despedida.Amanhã...não lembrarei que parti. Depois, nem mais distante em teia de mim.

domingo, março 13, 2011

Apresentação

Meu apelido é... Companheira.Chame-me pelo nome, a vida inteira.

sábado, março 12, 2011

 

Vestígios de vinho

O vinho da casa é
chão das tábuas,
barco das águas,
lençol do amor.

Antônio Amaral Tavares falando do tempo destas coisas

OS CROCODILOS DO RIO
Os crocodilos do rio esperam famintos
a flor branca dos primeiros corpos que se
afundam na água dos próprios olhos
ao queimar do pano da tarde quando
nos corações já rarear a erva verde. A morte

ama estas casas de gesso construídas
sobre a febre o alvoroço do movimento das patas
os registos de viagens remotas
estes gestos de barro tão velhos de
quem sempre atravessou este rio. A morte

insurrecta espalha pétalas muito brancas
sobre as suas águas como outro sinal de si
mas é negra a noite que descansa sobre o rio.
Ah outras sombras que se inclinam
como uma asa e ali se perdem. A morte

ama estas casas turvas de lodo. Os gestos
de barro são da idade do rio
só ela é mais velha ela tem a idade
das primeiras poeiras a morte.

Insaciável desde então.




sexta-feira, março 11, 2011

Meu partido de esquerda

Minha esquerda nasce no não dito.Perpetua em fala a verdade do grito.Incha o peito e o sexo pela denúncia em sigilo, dando leite ao seio pela verdade do filho.Sem volta, criou o verbo no infinitivo.

quinta-feira, março 10, 2011

O MANIFESTO NA ESTAÇÃO DA PALAVRA


A idéia de reunirmos as diferentes expressões das artes teve o carnaval como porto. Um barco assim, de primeira viagem, estava sem rumo, sem certezas, como os primeiros desbravadores restaram.Para cada história, um novo lugar e a Estação da Palavra,da Cultura, das Artes recebeu aquilo que poderia surgir: terra a vista.
O acolhimento de uma idéia diz respeito a isto, a um encontro especial, faltante das determinações que já desenham o final.
Foram os dias do antes em que o grupo das artes plásticas escreveu uma oficina de máscaras, escritores desenharam poesias, músicos pintaram sons e tudo somou fantasia. Diziam alguns que diante de tanto nada daria certo, já que carnaval é carnaval.
Por outro lado já ali estavam os significantes:  fantasia, música, máscara...Ali já nascidos nossa disposição para o existir, no que nos faz como isso ou aquilo: somos o que restamos em verso, em fala, naquilo que vestimos, naquilo que acabamos produzindo, compondo.Nossa fantasia de existência derrama alegria ou tristeza, esperança ou covardia.
O carnaval nasceu deste manifesto, pelo menos aqui no Brasil. Nasceu desta fresta pequena que supõe o subversivo espaço que habita nossa fronteira mais íntima: os contrários.
Pois bem...a Estação estava iluminada na quinta-feira da semana passada.Poemas, máscaras, pessoas, músicas e falas encantaram os trens que nem passam mais por lá.Porém, por algum breve instante, voltamos no tempo quando de onde , antes, vinham os trens, sugiram os músicos, os artistas, as pessoas, caminhando pelos imaginários trilhos em forma de nuvem. Ao som de instrumentos e canções, vozes de longe chegavam reconhecendo as luzes de um palco, aquelas da plataforma dos embarques.Foram chegando,pedindo licença, anunciando nossa indecência.Sim!Indecente a verdade que nos abraça nus neste tempo. Éramos esperados pela estrada, como todos o são.
Assumindo o palco, estas pessoas da Faculdade de música, artes cênicas e artes visuais da UERGS invadiram a letra e voz de Nadir e Manu, juntando-se a Nilton, João, David...juntando-se a Celiza e todas as outras vozes que cantavam uma música só.Todos acatando a convocação de manifesto, de expressão de vida.
Bem...aos poucos o tempo dos trens...Era a hora de ir.Talvez a melhor frase seja aquela dita por Davi, antes do fim ( diz ele que esta surgiu no café comercial lá no centro, antes do antes): É ...saudade não se vive, se sente.
Pois ficou este sentimento, este desejo de volta. Acho que os trens nunca deixam de existir!

Agradecemos a todos que fizeram deste cordão uma vivência de poesia. Aos que chegaram com suas máscaras e intenções coloridas; que estiveram conosco na palavra cantada, tocada,escrita,encenada...àqueles que pelo manifesto mais íntimo e sutil, fizeram-se presente nesta pequena estação da palavra.
Até o próximo trem!
Beijo com todas as letras
Adriana Bandeira

Primeiro navio

Fui colonizada, importunada pela estrada esquisita que sangra  o ventre do mês.É sempre primeira,a vez.

Colonização

Antes de mim eu não sabia o que cobravam as manhãs de estradas.O leite, farinha, a água que amanheciam como se não fosse faltar.Ainda nas mãos a luz das colônias, dos ventres mulatos, da língua engasgada em censura.Não se abre buracos sem esta dor.Não se escreve sem morrer de sonho sem cor.

Palavra de flor

O chão cobriu a estrada e dos restos das falas surgiram flores cor de carmim.Poderia haver verso mais belo do que este fim?

quarta-feira, março 09, 2011

Amar tem que ser fatal- Luiz Aldana em Indecentes Palavras

Para conferir...prata da cidade , com letra de Pedro Sthiel , produção de Diego K e a voz inconfundível de Luiz Aldana.Ah!...Gravado lá na Peña del Sur.Vale a pena.
http://www.youtube.com/watch?v=zGFQ-XToZV0

terça-feira, março 08, 2011

Tarde demais

Ontem era tarde.Hoje, não mais.

Ruídos noturnos de Jorge, para "acender" Indecentes Palavras

 
BACK DOOR MAN
 
na linha que separa os hemisférios
no anel marrom como de ameixa murcha
exploro a densidade do meu beijo
e o pudico tremor de tua cintura
às firmes dobradiças da fronteira
do circo/cidadela
falo na língua viva dos safados
e o séssamo se abre enquanto eu
falo
para acolher o fim dos meus exílios
neste parto do avesso
em que me entorno fruto do teu ventre
e o corpo todo se transtorna em caldos
 
                               Jorge Rein

Dia de mulher

Pagaria com um pedaço de carne, com meu sexo, com minha mordida...Pagaria os vestidos de esposa,o leite de quando fui mãe...a conta da padaria.Mas não possuo o que não me pertence ,nem meu ventre algum dia foi meu.Pago com esta escrita que se diz letra minha, se me recebes como mulher.

sábado, março 05, 2011

Amanhã

Amanhã letra, sonido que me criou. Sopro fundante,como palavra que veste o som. Amanhã serei cor.

Todo o Sim do meu Não

A pele alva me contradiz
na tua língua
É tão clara a impossibilidade
de me dizer toda
de não me fazer tua
de não me dar inteira
Como se já não fosse
escura a primeira
palavra em que não
pude dizer tudo.

Vasilha

Vasilha é palavra linda.Dá para guardar na arca que é parecida.Beleza sem igual esta santa que se vestiu de rio para lembrar dos peixes.E eles fizeram nascer vertentes.Sangue que corre em veias, que se abre nas colheitas, como parindo barcos no mar do campo.Panela de barro no meio da mata, cozinhando o arroz, fazendo charqueada.Vai que a lua inventa outra? E desce nua para tomar banho também?Vasilha,dique,raso,fundo.Vasilha tem tudo... e carrega o mundo.

Esperança

O vento pede as primeiras lembranças.Como se não iguais, cor de esperança.É sempre de ontem o que nos aguarda.São enternos amantes, as próximas falas.

Eu e Freud V

-Sim?
-Bem...acho que...tem coisas que para mim não tem volta...Quero dizer...
-Hum!Tantas reticências!
-Suspensão.Estou suspensa.Esta é minha pontuação.Estou suspensa por mim mesma e isso me acontece vez ou outra.
-Hum!Sus pensa...
-É...SUS...Atendimento para todos, indiferenciado(ehehehhehehe).
-Ehehehehhehehe...Para cada um, significantes tantos, não é mesmo?
-.Pretendo esta suspensão,este alívio de me vestir com esta roupa que não deixa passar nada!Indiferença.
-E dá?
-Não sei.O fato é que quando algo me atinge sei me vestir direitinho para que nunca mais, daquilo, eu venha adoecer.
-Como assim?
-É um efeito, um defeito, esta queimadura que tive em criança.Até pouco tempo não sabia se ainda não tinha metade do rosto repuxado.Não é raro que me acorde e passe a mão do lado esquerdo...
-Coisas do coração...
-É!Como diria um poeta...interrupção do rosto.
-Ah!
-Pois é...mas é assim...depois de alguma coisa, nunca mais volto.E enquanto a coisa está acontecendo, esta perda, esta denúncia, esta dor...o sentimento é maior porque eu sei que vou embora e nunca mais vai ser possível.
-....
-Eu não sei qual é a coisa que faz com que eu vá embora...quero dizer, embora subjetivamente daquele lugar, daquele bem querer, daquele amor...Vou embora diferente, para sempre!
-...Qual o problema?
-É este tempo em que eu sei que estou indo.É como se eu reconhecesse minha fuga, meu pedido de que o outro me fizesse ficar.Mas quando isso não acontece, vou indo, indo...suspensão!
-Ah!
-Hoje...nos cuprimentamos cordialmente.Roupa de lã, nada me toca.Mas os olhos, a lágrima que não vem, a denúncia esquisita num sorriso um tanto de dor.Senti estas coisas nele.Mas acho que não é verdade.Sei lá...Isso é devastador.Há uma inverdade neste encontro, uma insensatez não da loucura, da lágrima mas a insensatez do abandono.Eu queria ter dito: não me deixa ir! Se me deixares ir...Nunca mais vou voltar!E eu só pude dizer que " não é chique"...o lugar para onde vou.
-Chique?
-É...O lugar para onde vou é de suspensão.Ele falava de outra coisa.Eu digo: suspensão.Quando criança eu chateava as primas.Elas inventavam alguma coisa , para que eu fosse buscar algo...eu era bem menor que elas.Quando eu voltava, já tinham ido embora.Ainda as via felizes, correndo.Era na praia e eu acabava tendo para mim aquele mar enorme, que eu enxergava esquisito.Depois me lembro que me dei por conta que eu enxergava embaçado...Eu estava chorando!Isso aconteceu umas duas ou três vezes.Depois nunca mais! Nunca mais eu mesma quis estar com elas.Acho que ficavam mais felizes sem minha companhia.
-Te suspendiam...e tu ficavas como?
-Sim.É o outro que suspende.Com o tempo...mais feliz sem elas.É isso.Acostumo-me com  a solidão.Digo, a solidão que diz respeito a alguém especificamente.Sem SUS...ehehehehhe.
-SUS...a política é algo solitário; a escrita é algo solitário...Sem faltas?
-É como se a falta estivesse ali para sempre.E ela é como a presença dele.Uma queimadura, mesmo que não apareça...Eu amo a distância que vai crescendo.Talvez por ser a única coisa que nos ligue.
-É estranho...Poderias ter dito: vem!
-Jamais eu diria Vem!Tenho medo de não fazê-lo feliz.
-Medo de fazê-lo feliz!Medo de que te faça...
-Talvez.Mas, neste momento, a verdade é que estou blindada e este é só o começo da minha fuga para sempre.Estou indo embora e ele nem sabe.
-Ok...por hoje?!
-Ok.Aliás: é estranho que eu não ouça tua voz?
-Sim.É a escrita que fazes,não?

terça-feira, março 01, 2011

Antonio,tua poesia me inquieta pela verdade sincera que tece esta conversa.Como?Ah!Sim...a Decantação é sempre parte desta verdade...

DECANTAÇÃO
I
Cobrir das algas a nudez
apenas com o mar
é silêncio precário.
O poema procura
a estrutura que o sustém:
ao encontro do rio
desce o monte
o tempo tardo
é no entanto
parco o silêncio para se construir
queima
a mercê da pele aos lagartos de areia
o estoiro dos cem assombros da serra
no meu canto eu não sei bem o que arde
porque o poema é às vezes ordem
ponte pensada
sobre o lodo
desde o banho do amanhecer
à última estrela da tarde.

II
Fechar das algas
o coração dos dias
com sedimentações
do seu acontecer
e guardá-las por detrás
dos muros que sustentam
as terras.
O rosto do mar sabe-se
deve ser velado e seus rumores
distantes.
Dizer pois palavras que atravessam o tórax
o espelho do esterno
quando a maré cobre
a boca das praias
no meu canto eu não sei bem o que digo
mas sei que dizer palavras
acesas pelo fósforo
da respiração 
é fechar serenamente
numa mão o silêncio
e na outra o seu ruído.

Antonio Amaral Tavares- http://acasaquecaminha.blogspot.com/