sábado, janeiro 29, 2011

Fazendo as malas

Um vestido, uma palavra e o rio em cheia.Barco e areia.A última mirada ...casas acendendo como estrelas.
Alguns vestígios e cheiros.
Toda a madrugada, toda a rua calçada e a de chão de antes de mim.
Levo o estaleiro, meu varal inteiro e a noite sem fim.
O silêncio dos que não viram os fantasmas, o grito dos que abriram estradas.
Acabei de fazer as malas.
Não volto sem passar.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Meu tempo

...ou fiz de tudo para não ver-me.Passei longe dos espelhos, das águas, das falhas; ou  nada. Deixei que o tempo fizesse por mim.Vez ou outra volto, me recolho, as tantas, as poucas que se espalham ainda nos mesmos lugares.Outras vezes começo a olhar, sem fugir, sem matar e reparo que algo permanece, algo não me esquece.Esta sou.
Não sem pressa...o tempo foi longe demais.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Atadura

da poeira,
o rosto
rasgão-palavra
hemorragia atada.

terça-feira, janeiro 25, 2011

Que saudade do Miguel

-Que bom que te achei!
-Eheheheh, guria!
-O que foi isso, hein?Porque não avisou?
-Não deu tempo ( hihihihihihihi).Morri,guria!Morri!
-Pois é cara...Tá difícil passar ali na frente.Lembro do cafezinho e de fumar por tabela.
-Ora, começa a fumar ( eheheheheheh).
-Tu tá te divertindo, né?
-Tô.Mas hoje podemos falar.
-Até cafezinho coloquei lá no consultório.Então mato as saudades.
-Vou aparecer.
-Ah!Não! Isso não! ( eheheheh)...Estou escutando aquele cd que me deste de presente...com aquelas músicas gravadas.Adoro aquela que primeiro , em inglês , ele a convida para dançar...com a voz bem baixinha.Algo assim: ..to dance...
-Hihihihih...Tu sempre com estas coisas de romantismo.É o que vale, Adriana!É o que vale!
-Quero saber o que fazer com o livro vermelho.
-Que livro?
-Aquele que me deste para guardar...Há uns 32 anos atrás."Os protoclos dos sábios de Sião".
-Psiu!Não fala, hein?
-Pois é..pois é...Preciso te confessar que na época não entendi nada!Mas disse que sim.Continuo guardando?
-É.Eu sabia!Mas ( hihihihih) ..nem tem mais comunista por aí, tem?(eheheheh).Tudo perdido, Adriana!Tudo perdido!
-Eu tô por aqui.Mas acho que Os protocolos...este livro não é mais proibido...Olha só...tu viu este negócio de blog?
-Heheheheheh...vi sim!
-Porque tu me contratou repórter quando eu tinha treze anos?Olha no que deu?
-Eu disse, eu disse...Guria, vai firme, vai firme.O importante é fazer coisas que te dêem felicidade...felicidade(eheheheh).Hoje tô romântico!Ando gravando uns outros cds.
-...Porque tu não me chamou?
-...Porque eu precisava ir...e agora continuamos.Sempre fomos...clandestinos, não?
-Sim!Clandestinos, Vozes secretas...Sabe que todo mundo em casa me achava meio maluquinha?Tu que me reconheceste como curiosa.E, melhor, não sendo isto algo ruim!Tenho saudades.
-Eu também; " Pega a máquina e fotografa o que achares interessante.Depois escreve..." Lembra?
-Sim.Só não sei mais...fotografar.Talvez esta coisa de olhar fosse tua...
-Hihihihihihihi.Acho que sim.
-Vamos?
-Vamos: ..." to dance..."

Adriana Bandeira

Olhando estrelas

Convidado é sempre convidado!E invadem Indecentes Palavras deixando o cartão de visitas.Vamos até lá?

Élvio Vargas..............site: http://assisbrasil.org/joao/elvio.htm

Daniel Gehlen............. site: http://musicasdamusica.blogspot.com/ 
E ele também é poeta:"olhando estrelas... da janela de um trem vou para um lugar onde não sei bem, mas levo o violão para me acompanhar, pois não há nada melhor que o amor, a viagem e uma sereia do mar"

segunda-feira, janeiro 24, 2011

SEREIA DE ÁGUA DOCE FAZ A MELHOR CANÇÃO-No rio Ibirapuitã, com Elvio Vargas


SEREIA DE ÁGUA DOCE FAZ A MELHOR CANÇÃO- No rio Ibirapuitã, com Elvio Vargas.
1-      Água doce em pedra dura tanto bate até que escreve!(eheheheh). Fiz uma analogia, uma reflexão.Penso que somos nossa cidade, nossas imagens, as que criaram palavras em nós.Isso acontece comigo, quando retorno ao cais, ao estaleiro só para ver se encontro um sentimento  de anos atrás.Esta falta é que faz escrever...Tu vens de Alegrete, cidade cantada em verso e cor.O que, desta tua aldeia, faz verso na tua voz?

-Existem poetas que criaram-se nas vizinhanças de água salgada,doce, planície e montanha. Cada um carrega sua orfandade  e força nos signos de sua linguagem...e para tanto, colecionam os ícones que irão de uma forma ou outra moldar sua poesia.Borges, quando falava de sua distante Palermo, cidade que fica perto de Buenos Aires, emocionava-se. Ao falar do Alegrete,ao falares de tua Montenegro,e assim por diante...o que fica gravado para o resto de nossas vidas são aromas e  lembranças  dos meninos que fomos.Escrevo para velar a criança solitária que fui...o moço que em mim morou, e agora sigo, escrevendo ,para me defender da solidão dos dias maduros.Perdoem-me os muito alegres e felizes com suas escrituras...minha poesia é catarse. Alegrete é a minha Ítaca, a gente sempre  pensa que saiu de sua cidade, briga com ela, erode-se em ira e desafeto, mas  lá no fundo...jamais a deixamos. As almas não trocam seu domicílios, que os cambia com facilidade são os corpos e as sensações.Quando grandes amigos meus me perguntam, pois na minha geração, este ano, estaremos completando 60 anos: Élvio!!!!!!!!....qual é o motivo que recebemos tua visita poucas vezes ao ano. Respondo-lhes: terei toda a eternidade para vizinhar com vocês..............

2-      Na tua home Page, sabemos muito do Elvio. Suas premiações ( muitas), o reconhecimento, as amizades...Enfim! Soube , por ali, da tua pizzaria, da proposta que se aventurava na reunião de pessoas em torno do comer e do texto.Poderias falar um pouco desta experiência?

-Sem medo de errar e amparado por uma rara felicidade, lhes confesso: Foi um dos mais belos momentos que VIVI, enquanto empreendedor,PAI, esposo, empregador, amigo e POETA...A DA VINCI virou uma lenda (ao menos para mim e para a gurizada de então), todas as noites eram uma festa.Nas minhas mesas muitas gerações passaram, riram, fizeram seus aniversários e viveram com qualidade ímpar seus momentos de plenitude...Não era raro ver meus filhos ,e o de outros, dormirem em cadeiras que ajeitadas viravam pequenos berços...
Vou lhes contar uma história de miséria  e ternura que ali fui protagonista, e o que representou para mim a grandeza do coadjuvante.Nosso movimento começava às  19 hs e findava as 23hs.Seguidamente um homem maltrapilho rondava o portão da pizzaria ,até que uma noite ,eu pedi ao meu amigo e garçon  Éder( que não reside mais entre nós) que fosse saber o que ele queria. Voltou com a resposta: Ele quer um pedaço de pizza, pois está com fome. Disse-lhe que pegasse na cozinha e lhe desse.Tal doação virou dízimo...mas não me importunava. Um bela noite , ele entrou no portão, e foi até a janela onde eu ficava, e me disse: Senhor,por não ter nada para lhe presentear e por morar na beira do rio Ibirapuitã, procurei por uma pedra bonita e achei...gostaria que o Senhor aceitasse.Diamantes são lágrimas mineralizadas pelo clarão do luar...


3-      De Alegrete, boas colheitas... Porém, fico pensando cá com alguns botões (ehehehe...lembrei que pediste para que eu ficasse com os meus bens fechados) como foi esta descoberta das palavra-poesia vinda de ti.Explico: terra de boas colheitas, de plantio, de gado forte e de homens que perpetuaram um imaginário ligado a isso.Quanto à lida com a palavra, talvez o touro mais bravo que exista,há um caminho percorrido.Do campo à letra, à construção disso no papel.Como foi para ti, esta trajetória?

-A pobreza, ócio e excesso de tempo ,é um trinômio perfeito para equalizar o despertar da verdadeira vocação da arte.É só leres a biografia dos poetas, pintores e outros.Claro que depois vêm a técnica, o conhecimento e a disciplina.O bucolismo hediondo das nossas longas noites de hibernia ou os sois abrasivos dos verões da fronteira, geram solfejos que mexem com os espíritos e estes nos elegem no seu carteado  de lúdicos silêncios...As palavras escolhem os POETAS...mas lhe cobram e o ágio representa uma vida inteira.
Toda a metade sul gerou, gera e para sempre vai gerar, bons, ótimos e imortais poetas. Justamente pelo trinômio acima citado.



4-      Percebo teu encanto por sereias(eheheheh). Inclusive  falavas da tua amizade com algumas.Descreveste uma cena impressionante que me vem à memória.Tu falavas sobre a delícia de fazer amor no rio Ibirapuitã. Descrevia a sensação de volta, quase uterina, numa lua que se entregava em pequenas imagens(palavras minhas).Pediria que pudesse transcrever esta pequena parte de teu texto. Poderia falar um pouco disso?

-Amar envolto em água doce é como voltar para a placenta...talvez aí esteja a minha metáfora onde envolve as sereias...tento exorcizar o Édipo que hospedou-se em mim...mas agora é tarde demais ....ele também envelheceu...Iemanjá nos perdoa!!!....



5-      Viagens, viagens... Tenho medo de avião, lembra?Não viajo e meus planos de ir à Cuba ( e tem que ser logo antes que os vestígios da revolução morram com os novos tempos) está enroscado nisso.Disseste que não viajas muito, também.Porém...falas numa viagem interior.A viagem de cada um, no seu próprio texto.Seria a viagem de Ulisses...ou a viagem de Fausto?

-Se eu conseguisse viajar no tempo, e marcar um encontro com Homero e Goethe, pediria-lhes a licença poética, para fundir estes dois grandes personagens num único ente ,que eu batizaria pelo nome de ULIFAUS...Do Ulisses eu roubaria sua coragem, planejamento, fidelidade aos seus marujos e a sua incansável jornada de volta para casa, mesmo abandonando as luxúrias e a sede sexual de CIRCE.Do Fausto eu ficaria com o conhecimento, a lucidez , sua alquimia, sua astúcia para atrair Mefístófoles,mas não pactuaria com ele.



6-      Tenho pensado que a essência humana é fazer poesia. Penso que vez ou outra todo mundo faz.Por exemplo, lembro de algo que chamo “ texto sem palavra”, quando um sujeito pronunciou ‘ A mulher ficou lá” e mostrou as mãos.Não precisou dizer mais nada.Ele tinha as mãos marcadas, era um descascador de mato...e sabemos o que acontece com as mulheres que ficam sozinhas , dependendo dos outros homens, numa situação destas.Nisso sustento que a poesia é humana, de todos.Como tu vês este reconhecimento ou não, de algo poético num texto discursivo ou escrito de qualquer pessoa?

-A poesia é o desdobramento do logus divino.""""O Verbo está entre nós""""""""", não é preciso haver palavras para que triunfe a poesia.Nada é mais poético que o último olhar, um adeus, o beijo, a carícia, saudade...o sexo parece...mas não é.Tudo aquilo que está no mapa do instinto não é poesia, é reflexo, é sensação recodificada pelos novos padrões da exigência. Erotismo já é poesia( ao menos para mim) pois ele no seu construto lírico ,está a serviço das vozes íntimas do corpo,e estas, movem a grande ópera dos amantes.


7-      O que te causa?O que causa teu texto?

-Meu texto é desolação, pungência e desejo...emito um sopro sinestésico em tudo aquilo que não tem vida, e nem nomeação, e os revivo através da lírica...


8-      Falavas em homens que faziam as catedrais... ( eheheheheheh). Poderia nos dizer como percebes esta relação?
-Uma das mais  belas catedrais da natureza humana é o POEMA...pois ele com sua vogais e consoantes ,vai alicerçando góticos templos ,que em qualquer idioma, devidamente traduzido, cintila nas retinas e corações dos leitores, viagens para o mágico mundo das sensações.

9-      Quando nos conhecemos por email, falavas nas amizades com as sereias. Em seguida enviaste uma poesia maravilhosa para Indecentes Palavras: “ Alexandria”.Logo pensei na poesia como sendo uma cidade, uma mulher.Lembrei até mesmo, de uma música de Caetano  “ Doces Bárbaros” em que ele  fala de uma invasão.Poesia, Cidade,Mulher...o que estas palavras te dizem?

-O Poema Alexandria é mitologia temperado com erotismo.



10-   Qual a forma de criação de que tu mais te serve? Quero dizer...como acabas criando um texto?

-Preciso ficar numa vigília com aquilo que escrevo...como diria o Mário Quintana:...um poema antes de ser escrito, tem que ser sonhado.



11-   Começar, recomeçar... Pelas más línguas, sei que minha escrita causa uma certa ruptura.Uns adoram...outros detestam.É o retorno que acolho com carinho porque os leitores não me pertencem!Eles são de um tempo alhures de minha pobre existência. Eles são tão maiores porque lêem o meu pequeno rabisco com o seu próprio e, para mim, isso é que importa.Como te vês neste reconhecimento de teu texto?

-Digo e muitas vezes causo estranheza: Escrevo para a ETERNIDADE...pois assim, terceirizo esta preocupação, se estou sendo aceito ou não!!!???..mas intimamente sei quando acerto...



12-   Então ... sair de onde estamos dói. Isso dizias de minha intenção de morar em Porto Alegre e da tua experiência em  sair de Alegrete. As mudanças de cidade, de país...dependem da mudança de mundo (eheheheheeh). Bem... mudar subjetivamente dói muito porque é deixar um lugar fixo subjetivo criado na família, na cidade; lugar editado e reeditado por nós mesmos no afã de não sair de casa.Quando é que se sai de casa?

-Nunca saímos do mesmo lugar...a saudades que sentimos ao pensarmos que estamos longe ,é de nós mesmos...das sensações...dos amigos mortos...dos pais que já se foram.
A medida que vamos vivendo ,e o tempo vai passando, nossa trajetória em memória e lembranças é regressiva.Bom seria se tivéssemos a vida de Benjamim Button...nasceríamos com oitenta anos e morreríamos  no colo da MÃE...É o tempo que comanda as lembranças, e não as lembranças que comandam o tempo.


13-   Sei de teus trabalhos pela tua home Page.Entre os tantos já publicados, entre os vários prêmios recebidos, as homenagens...qual a vivência que tocou tua catedral?(ehhehehe). Quero dizer... qual a que te fez sentir-se reconhecido como o Elvio, nu como dizes que estás?

-Nos últimos anos eu decifrei meu enigma: Vim para ser POETA...e tudo aquilo que recebo,  em nome deste patrimônio humanístico,  tenho a responsabilidade de deixar para todos antes de partir, para que leiam...ou não leiam, é meu  LEGADO.A opção final é dos leitores.


14-Elvio, ...para ti as palavras nos habitam ou somos nós que habitamos as palavras?

-As palavras nos habitam...guiam...e sabem a hora certa para a germinação em nossas páginas.


15-Já te disse que a escrita e as formas de arte, para mim, humanizam.Também já comentei que não acho isso um UAU!, simplesmente porque não acredito que sejamos a melhor das espécies só porque infestamos o planeta de gente ( ehehehehe). Porém, a arte é o que temos de melhor, para que não haja tanto espaço para o que temos de pior: nossa agressividade e violência. A literatura humaniza. Neste sentido, o que são para ti, espaços de humanização?
 Quando bem trabalhada a arte humaniza.Naturalmente que a literatura está inserida nela!!!...


16-Quais os trabalhos que te deram gosto ( estalo na língua) em participar?
 Eu só escrevo quando o tema me interessa...mesmo se  for encomendado.Tenho que ser atraído...seduzido...senão é tragédia pura...

17-Gostaria de dizer mais alguma coisa?
Foi um prazer conhecê-la e te agradeço pelo espaço e pela paciência, até chegarmos as
partituras certas deste allegro, com o melódico vagar dos adágios. Como dizes: Beijo grande e fraterno- Élvio Vargas

Não sei quais os ventos que fizeram este encontro.Talvez um  que se pôs a dizer versos sobre sereias e marujos, sobre águas salgadas e doces, sobre esta pele que nos enlaça; água morna feita de lua...que faz flutuar uma doce canção na carne dura.Ouça, Elvio...estão nos chamando e somos a voz em  ninar neste rio de antes.Da mesma falta, somos amantes.
Beijo com todas as letras

domingo, janeiro 23, 2011

Segredinho

Aqui na Itália tem umas cores, um perfume, uns nomes...acho que vieste sem saber.

Os eus

Faça-me tua imagem inexistente.Fugi de ti para sempre.Ficou esta coisa estranha que chamam de eu.

Minha mentira

Vesti com cuidado cada palavra: camisa,calça, paletó, gravata.Dá para criar um mundo com a mentira amada.

Fantasma de verdade

Minhas roupas mudaram com o tempo.Ficaram velhas e desbotadas...até sumirem de vez.Só não sei porque nem minha voz escutam quando falo o que sei.
adriana bandeira
24-01-2011

Censura

Quem sou ainda suspirando
restando insone
embalando
os bebês meus, os que já foram
filhos pequenos,
há tantos anos
Sou apenas a voz
de uma censura
rasgão em forma de ternura
que me diz:
os filhos não terás
jamais
Todos eles são
do pai
da palavra
do querer
de um vós
que amais

adriana bandeira
24-01-2011

Manhã de outono

Que olhar pecaminoso desnuda o verso,
que se alça  por si descoberto
para outro longínquo telhado.
Que mãos escandalosas tocam as partes
feito prosa do corpo,
da voz,
do outono encantado
pela primeira letra do dia.

adriana bandeira
24-01-2011

sábado, janeiro 22, 2011

Costurando antes de mim

A máquina de costura faz um barulho estranho.As crianças cresceram e os tecidos tantos.Ontem sangrei demais e fiz palavra diferente com o sobrenome que ficou.Coisas de veia e vapor.
As crianças correm na rua, arrumando galinhas e colhendo o bordado da chuva.Tudo com ponto e nó.À mão da verdade refaço-me inteira, o perfume dos dias que não voltam mais.São os farelos da mesa, a aranha que tece sem teia, um a um o que vira pó.
Na estrada surgiu de repente, a carta na mão de gente, e gritei sem fazer flor.Vinha depois de todo o tempo, do mundo, do vento, a resposta que não chegou.Não abri, fiquei espiando.Porque viria matar-me assim?Não abri, pelo cuidado,pela outra que habitou em mim.Não poderia dizer-lhe que tinha que partir.Não suportaria ver-me eu e ela-eu-mesma, depedindo-se das panelas, das cobertas, dos sapatos, das janelas...
É a máquina de cotura que não pára.Faz tanto frio quando não e sim,... vamos embora.

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Música da boca para fora

Sou nascida a cada rua distinta
a cada pequeno vagar.
Sou parida pelo simples suspiro,respiro,
jeito de olhar.
Nem Netuno sabe das coisas, sobre a dança das ondas
do mar.
Nem minha boca segura o beijo todo
que desejas eu sim
ganhar.
De resto fica a pegada
na areia que sempre se vai
cantando incerta sereia
àquele que a
faz sonhar

Vestido de boneca

Já estava nua desde menina.Cortava as roupas para fazer vestido de boneca.Elas sim, nunca estariam.

Langerie de broderi

Langerie de babadinhos, branca, de broderi.Todo o cuidado é pouco. É esta adolescência! Tecido que volta por si.

quinta-feira, janeiro 20, 2011

O fantasma do caso de amor

...E se me encontrares daqui há pouco não te assustes.Vez ou outra sobrevôo a lembrança entre nós.

Vinho na tarde

Não sei se é primavera mas teu sorriso encanta nascimentos.Traz a calma e a graça, que se perde com o tempo.Repara que sem a risada o amor é quase nada!
O vinho  cortando a tarde me diz que sou tua aprendiz.

Quando aprendi a falar

...E o mar era tanto e sem fim... que nunca mais voltei para casa.

Despedida

Não levarei os móveis,
nem os castiçais.
Levarei somente a mordida
que o tempo há de me dar.

não sei o que fazer
com esta luz: vem dos lençóis!
Talvez te leve comigo,
escondido!
na falta da tua voz

Rua sem pai

A escrita é corpo da terra, para onde todo mundo vai.É este pai sem cidade, é esta rua sem pai.

terça-feira, janeiro 18, 2011

Tua vinda

Segura meu braço, não solta e ...Vem!
Escuto teu traço, rabisco, cansaço e...Vou! Não há encontro sem dor.

Infância de menina

Se eu não voltar, recolha minha bicicleta, a boneca e as sapatilhas.Guarde-as na palavra de qualquer outra menina.

Não se pontua a rua dos outros!

minha cidade nunca vou conhecer dela todo o resto que de mim não sei é bela pelo que o outro diz etérea pelo que me faz morrer vivo se carrego suas ruas morro se elas me levam tão bem

Fantasma letrado

O poema que te ofereço nunca estará pronto.Ele resta na próxima letra, abandono atroz.Silêncio!Teu fantasma está entre nós.

A conquista da cidade Indecentes Palavras com um presente de Elvio Vargas


 ALEXANDRIA

O cálice do desejo
transborda, viscoso
arrebatado, anunciando
um filete branco que aos poucos
vira córrego pela enseada
serena de tuas pernas.
Umbigo e abdômen enfrentam
o arremesso da flecha.
A luz do punhal
ilumina com um clarão de lua
o arco que circunda o pátio.
Tules derramam-se nas
cortinas do quarto.
A cama navega
esculpida em marfim
peroba e alabastro.
Os lençois de linho
ungem com óleo e alfaia
as reluzentes páginas da pele.
Teu útero- um abismo-
que não meço pela profundidade
esquadrinho pelos labirintos.
Sodoma, Alexandria, Persépolis, Babilônia
ali sepultaram suas ruínas e triunfos.
Esperma por mim
até que floresçam
figos, seios e maçãs...



                                                                              ÉLVIO VARGAS
                                                                         


segunda-feira, janeiro 17, 2011

Noite

E hoje nem mais será para sempre.

FALANDO SÉRIO COM DIEGO KA.- Reprise porque sumiu do blog de forma indecente.Apertei o botão para letras maiúsculas e...não sei para onde foi.


1-Qual a tua primeira lembrança  deste interesse pelas artes visuais?
5 ou 6 anos, no "jardim de infância". Em uma semana, fiz o mesmo desenho todos os dias: uma casa e um pássaro com uma flor no bico. O primeiro desenho começava com o pássaro à esquerda da página. Nos desenhos seguintes, ele foi "voando pela folha" até chegar à direita. Acredito ter sido minha primeira noção de animação.

 2-Comentava contigo a respeito de autoria. Percebe-se que tu és um homem “ mordido” pelo teu trabalho.Quero dizer que o que fazes está estranhado em ti, que o que produzes tem autoria, tem a tua marca.Pois bem...Concordas comigo?Como percebes a tua autoria naquilo que compõe um trabalho?
Sim. O que eu faço geralmente envereda pelo fantasioso, pelo lúdico. Talvez seja um protesto à sermos "só isso que somos". Ou vestígios da pureza da infância que resistem ao tempo. Ainda não cheguei a uma conclusão se os trabalhos que faço são prisão ou liberdade. Prisão porque sem os trabalhos não sei se teria um "eu". Existe um Diego que não está associado ao eu trabalho? Consigo acordar amanhã e dizer: "Hoje vou largar tudo e virar agricultor"? Liberdade porque cada trabalho novo vem com uma pergunta que desfaz as respostas prontas até então.

3-Por que Diego Ka?
Na condição de homem mordido, mordi meu sobrenome =D

4-A primeira vez que tive contato com tuas idéias foi na criação da capa do Chá das Cinco.Percebi que me perguntaste sobre algumas coisas, sobre algo do texto, algumas palavras chaves e, de pronto, compuseste a belíssima capa do livro.Pois é...o que move teu trabalho de criação?As cores, as palavras, percepções?
Penso que todo trabalho criativo verdadeiro é espontâneo. Até tenho dúvidas se o artista é realmente dono do seu trabalho, visto que sua imaginação entrega o caminho pronto. Michelângelo exemplificou bem: "A figura já está na pedra, trata-se de arrancá-la para fora". Procuro manter a imaginação bem nutrida: ao invés de olhar reto e objetivo pras coisas, me perco nas percepções periféricas. Depois, as perguntas e palavras-chaves  apontam a direção, e a imaginação dá a resposta. Nesse cenário, sou apenas a ferramenta.



5-Quais as coisas mais importantes para ti?
Não vivi o suficiente pra definir o que é realmente importante, ou descobrir, ou me conformar. A importância das coisas é volátil e efêmera. Um grande amor pode tornar-se uma pálida lembrança. Uma profissão pode resultar na confissão de que não faz mais sentido. De todas as coisas, perguntar e ter dúvidas parece a mais importante no momento. Verdades e caminhos prontos hermeticamente fechados em palavras e entidades absolutas aborrecem e emburrecem. Atualmente considero importante a transformação, valorizo e prezo a transformação. E quando encontro respostas pras coisas, me pergunto se não estou ficando ignorante.
 6-Quais as principais dificuldades de Diego Ka?
Algumas vezes, carecer da técnica necessária para realizar determinado trabalho que foi imaginado.  Ter o domínio da técnica para concretizar a imaginação com esmero é um ato de respeito a si mesmo.
7-Num texto teu que eu li, escreves sobre as diferenças. Fala em cores, em pensamentos, neste abismo que é próprio ao ser humano: o que sinto,vejo ou falo não determina como o outro vê, escuta ou fala.Pois é...percebe-se uma certa ética a respeito do cuidado com o outro. Como lidas com isto já que trabalhas com imagens e criação e sempre estas coisas estarão alheias ao que, de fato, imaginamos?
Não faço coisas pensando no que os outros irão pensar, porque não sou "os outros". Não tenho a carga de memórias e emoções deles pra ficar delimitando "isso é bom"  e "isso não é bom". Tenho apenas a minha carga de memórias e emoções. Embora o trabalho de criação seja egoísta, a percepção é coletiva. O que procuro é respeitar e atender ou superar a expectativa coletiva no tocante satisfação, geralmente com temáticas benignas, emotivas, belas. O meu norte vem de símbolos universais (um sorriso é um sorriso e uma coisa boa em qualquer lugar do planeta) e percepções de massa (você pode realmente odiar rap e amar Beethoven, embora outras pessoas adorem rap; mas um rapper pode dizer com sinceridade "Beethoven é a pior coisa que já escutei, isso fere meus ouvidos"?)

8-Quais os trabalhos teus ou em parceria que poderias citar ?
Sempre gostei muito dos trabalhos de computação gráfica, como as aberturas de programas produzidas para a TV Cultura de Montenegro desde sua inauguração, e a TV Mais de Novo Hamburgo. Algumas ilustrações renderam um espacinho na memória, como uma campanha pra Gasoline (marca de roupa) e outra pra Souza Cruz, com pinturas a óleo de animais. Na produção de vídeo, um que teve um resultado bem satisfatório foi o 2º Caderno Pedagógico, para a Fundarte. Algumas capas de livro também foram divertidas de fazer, como a tua (Chá das 5), do Carlos Leser (In Extremis) e do Pedro Stiehl (Rapsódia em Berlin). Nem sei se eu posso falar isso, mas a mão que aparece na capa do livro do Stiehl é do Mister, que freqüentava o Café Comercial.  Eu falei pro Ângelo (Daudt, fotógrafo): "Cara, preciso duma mão, LITERALMENTE" heheh e ele me veio com essa.
9-Quer deixar registrada alguma coisa mais?
Virou Cartório agora pra ficar registrando coisas? hehehe
Agradeço muitíssimo tua entrevista. É de fato um prazer teres aceito ser meu convidado. Andiamo,Diego.Andiamo!
Beijo com todas as letras

Amor de morte

Reconheço o amor de longe!Quando menina ouvia o trem que passava no quintal, atravessando minha casa inventada.

Meus nomes

Se me disserem árvore, eu sou.Pássaro, canção, eu vou.Ainda chamando-me de erva, mato intruso que nasce onde não...Sim! Recebo a nomeaçção no corpo de pó.Morrer é não ter palavra para se inventar.Morrer é ficar só.

Para Luciano P

Pelas palavras que não virão, deixo algumas em recato: dança, chão,retrato,lua.Conchinha,fogão!Estamos de mãos dadas no avião!

O Elfos - poesia a ser publicada no livro Indecentes Palavras

Ah! Os elfos!Quem disse que os ogros não são elfos?Quem disse que as bruxas não são princesas?Quem disse que o pato não é ganso e a idéia não é dela?Quem disse que se ama o que não se mataria...acabaria contigo num piscar de tela, acabaria com a única janela, porque as portas não falam, as portas não calam, sempre estão por abrir!Mataria os peixes, as aves, os sonhos, se me desse a arma secreta, o veneno eficaz.Eu não possuo arma, fui inacabada, fui violada pelo oco dos quadris.Acabaria com a primeira e única voz que amo!Não sei porque não faço de mim todo este resto; nem sei se amo ou se quero.É algo diferente disso, da casa disso, da rua disso.É só o vento que não me larga e não me fala.É só um vento que já está passando, indo embora, já foi...É só o desejo de sempre dançando, movimento; arrumando o ventre para outro nascimento.

Inventação

Eu queria mesmo saber o que anda de mim em você.Só para inventar uma história diferente da que te contei...na última vez que nem nos vimos e conversei baixinho com meus dedos desajeitados.Eu queria mesmo saber, como sou sem te querer.

Disco voador

Se me avisarem antes, faço sinal da cruz.Se nada me disserem só aceno para a tal luz.

Rabisco

Pedi licença e sai.Não dava mais para ficar noite e dia.Descolei da foto...grafia.

Uma

Amo um verbo,
infinitivo.
Tornar
se
Sou uma
mulher.

UM MOÇO QUE SABE O QUE EU SEI - A voz-olhar de Daniel Gehlen


1-Bem...intitulei esta entrevista como Um moço que “ sabe o que eu sei”.Na verdade faço referência a música de Lupicínio Rodrigues “Estes Moços”.Já explico...A primeira vez que te vi, estavas sentado num dos bancos da Estação da Cultura.De repente, te vi.Tive a nítida impressão que esperava o trem, mas nós sabemos que não há mais trens por ali (ehehehehe).Quero dizer que tive a certeza de que tu irias embora e que cantavas com uma voz de muitos anos atrás.E veja bem...estavas mudo, só olhando, esperando...Tinha o violão descansado na parede, só.É como se soubesse o mesmo que Lupi. Pois bem...Concordas comigo?
Sim, lembro que era durante um intervalo entre o primeiro e o segundo bloco da apresentação que fiz no café da estação de Montenegro nesse encontro.


2-Para além da voz, que é belíssima, carregas um traço na enunciação que registra uma vivência, uma história com a música.Lembras de quando começou  teu envolvimento com esta mulher ( eheheheh), a música?
Comecei a ter aula de violão clássico aos dez anos de idade na Fundarte. Lá aprendi muito sobre violão com meu grande mestre e amigo Daltro Kenan Junior.  Mas antes de iniciar meus estudos na Fundarte, convivia com o ambiente musical em casa, pois meu pai que é músico me influenciou desde quando eu era criança.


3-A nota musical não é passível de ser apreendida. Neste aspecto tem a mesma estrutura da letra: sem a próxima não se diz, não se revela.Porém, na música, a nota tem uma propriedade que é o tempo da nota, sem pensar no tempo que faz a melodia.Este tempo da nota é uma enunciação sem significado, sem ter como nomear.Este intervalo, este vazio , consegues sentir?Como expressa isto nas tuas interpretações?
Acho que cada nota traz em si o que a música por inteira quer expressar no momento oportuno. Sinto o som no corpo, na mente e na natureza. As melodias são diferentes de uma cultura para outra, assim como, de um tempo para outro, pois expressam os nossos sentimentos e nossas vivências em diferentes circunstâncias. É assim que expresso a nota,a melodia, o tempo e o ritmo. Não sei se é bem assim que me perguntastes...(hehehe)  


4-É comum pensarmos no intérprete como aquele que deve dançar,  movimentar-se, para atrair os olhares, a atenção. Percebo, nas tuas interpretações , que fazes isto num movimento de voz e olhar...respiração,mesmo!É que o olhar faz casa, chega e não vai mais embora!Comparo teu jeito com o do Caetano e Chico Buarque, em que sentados, em pé, parados, atraem a atenção simplesmente pelo encanto do encontro. O que pensas destas exigências a respeito de atrair a atenção do público?
Acho que estas falando de desempenho no palco? Realmente, eu fico mais na minha. Mas já pensei um pouco sobre isso e acho que vai de cada interprete mesmo. Ora me sinto mais a vontade para me movimentar com a música que estou interpretando, ora me concentro mais na respiração e no desempenho ao violão.


5-Não são raras as vezes que o artista é contratado para entreter muito mais do que fazer valer a música, voz de cada um. Esta diferenciação entre entretenimento e encontro...o que achas disto?
Isso depende do tipo trabalho como aniversário, evento de final de ano, jantar,  formatura, casamento . Acho que o músico pode tentar entreter as pessoas sem que isso interfira no seu jeito natural de agir. Eu tento agradar as pessoas, mas sem que isso interfira no meu gosto e na minha criatividade.  Contudo, é uma questão a ser trabalhada pelo artista, pois envolve algumas habilidades como saber jogar e negociar com o público. Tem artistas que não se interessam em agradar e interagir com o público, outros fazem disso parte fundamental de seus shows.


6-Então...O Daniel estava na Estação, pegou o trem e...?
Parei em Porto Alegre para fazer faculdade de música e conhecer mais sobre o universo musical.


7-Todo artista passa pelo inferno ( eheheheheh). Quero dizer sobre aquele momento em que parece fora do mundo, que está fazendo nada, que é uma bobagem seguir esta estrada esquisita(ehehehe)...Foi assim?Poderia contar um pouco da tua trajetória?
Algumas vezes pensei nisso. Quando me sento um pouco sem graça abro uma revista de música e leio histórias de outros músicos que passaram por momentos de estranheza com o mundo. Tento me inspirar de alguma forma nos grandes músicos do passado. Daí vejo que o caminho musical é de persistência e de coragem mesmo. Por isso que muitos desistem no meio do caminho sem pegar aquele trem (hehehe).


8-Quais os trabalhos que te deram e dão maior vontade de fazer?Quais os que te impulsionaram a seguir?
Quando estava estudando na Fundarte, participava da orquestra jovem regida pela professora Adriana Bozzeto. Esse tipo de trabalho me chama muito a atenção, pois penso em ter um grupo com violinos, piano, flautas que possam estar tocando músicas minhas. Gosto muito de pensar nos arranjos das músicas e criar música, por isso acho que esse tipo de trabalho me impulsiona a seguir estudando para desenvolver mais as habilidades no âmbito da composição e de arranjo musical.  Contudo, sigo sempre com meu trabalho solo que é outra fonte de inspiração que me impulsiona a continuar atuando como violonista e cantor.


9-O que é ser artista da música para ti?
É procurar sempre pela música. Esteja onde estiver, a relação do músico com a música está sempre no plano do possível, do real e do irreal. É procurar sempre conhecer mais sobre música, descobrir mais e se entregar totalmente a ela. Mas sem dúvida, tentar ter uma relação saudável pela música.


10-Todo mundo tem seus amigos, ídolos, pessoas ou aspectos que dão referência. Com quem ou com o que gostaria de contar sempre neste caminho que inicias?
Acho que com meu pai, meus professores de música e amigos que me ajudam a entender mais sobre essa arte.


11-Nestas vivências como “ encantador” é comum um certo “ despertar de paixões”, geralmente nas mulheres.Como lidas com isto?Tens algo interessante para compartilhar conosco?Quero dizer...indecentes palavras ?
Eu tento agradar as pessoas com a minha música, mas tenho um tanto de timidez. Mas confesso que fico contente em saber que sentes esse encanto de que falas. Não sei bem como lidar com isso, espero aprender mais sobre isso (hehehe).


12-Quais as coisas mais importantes para ti neste momento?
As pessoas queridas e amigas que fazem parte da minha história, a minha família de um modo geral e claro a música.


13-Porto alegre é...?Montenegro é...?
Porto Alegre é demais. Montenegro é minha querida cidade natal das artes.


14-Querias registrar mais alguma coisa?
Adriana, gostaria agradecer pelo convite para registrar um pouco da minha história nessa entrevista! Vou ensaiando “Estes Moços” para um momento oportuno te apresentar. Beijos!


Agradeço muitíssimo ter sido meu convidado. Agradeço e abuso, pedindo que no nosso próximo encontro possas tocar “Estes Moços” de Lupicínio ( eheheheh).Promete?...E mais uma lista de canções na tua voz, que é toda olhar que despe.
Beijo com todas as letras.
Adriana Bandeira

Para ti

Vim aqui só para te ouvir, talvez contar uma história e depois dormir.É tudo teu o que me faz existir.

domingo, janeiro 16, 2011

Gueixa

Quero teus cristais empoeirados de antes,
do tempo.
E te dou no banho a mímica segredo
da tua ereção.
Suave lembrança de medos,
não por ter-me, nem receios,
tuas palavras na minha mão.
Riscando um curso ardente,
abrindo estrada, vertente...
sou ao ver-te roubando meu sim
de todo o não.

Último instante

Ninguém viu que eu estava morrendo.A enfermeira só aplicou a medicação.O filho olhava pela janela já cansado da espera.Ninguém percebeu ...para se despedir.Também não avisei.Não desejavam me seguir.E isso era o melhor de mim.

Quero sempre a outra

Minha palavra somente adoece...não morre por ti.
Esta outra que vem atravessando o mar
Sou o ar

Nome do Pai

Nascendo da  mãe ,o vestido misturou-se com as luas.Nem era a mãe, carne crua.Nem era dentro,os nomes: ruas!Nelas, todos os segredos-pai.

Resumo de assassinato

Faca afiada sangrando a calçada
abrindo em concha um grito sem som
Resumo de assassinato, palavra  já sem dor.
É esta denúncia esquisita de que não estás aqui.
Aqui,aqui,aqui...eco em flor.

Eu e Freud I

-Bom dia dr. Agradeço muito a oportunidade.Aliás nem sei ao certo se deveria ter vindo.
-hummmmhummmgsgsgsgsgs
-Não...é que dizem alguns que terias morrido.Sendo isto verdade: o que faço por aqui?
-Sim?!
-É minha angústia, uma certa questão.Tenho me esforçado para reconstruir uma imagem do homem que eu quero que esteja ao meu lado.Não por nada não...mas não sei direito.
-Uma imagem?Um ideal?
-É!Mas lá vens tu com esta história de que ideal não existe.Mas não é importante construir uma imagem?Quero dizer, uma idéia do que eu gostaria de encontrar quando chegasse em casa.Ah! Eu sei, eu sei o...
-Seio.
-O quê? Seio?De onde tiraste isso?Não falei seio, embora sempre quisesse ter uns maiores, sei lá... uns que chamassem a atenção, que me revelassem como uma Mama.Aquelas dos filmes, de preferência também gordas e calmas. Não fui amamentada, sabe.Mas eu não gostaria de encontrar um seio, chegando em casa.Não tenho aptidão para...Pensando bem, quem sabe, eu não quisesse uma mama diferenciada?Não ri mas fiquei pensando que um pênis não deixa de ser um seio diferente.É um pedaço a mais, assim...que se destaca, sei lá...
-Amais?
-Não sei...Acho que sou capaz de amar.Quero dizer são sempre outros, os seios...ou os pênis.Brinco que o primeiro era esquisito, o segundo, depois dos trinta, era moderno e agora, depois dos quarenta, são... meus seios são duvidosos.
-Um seio só é seio quando tem dúvida do que sabe.
-Pois é Freud.Não importa mais certas coisas.Mas precisam vir com palavras e gestos deste amais.Os homens precisam desejar as palavras que ainda não foram ditas!Eu seria outra, todo o dia... E é o que sou. Posso chamá-lo pelo nome?
-Pelo que mais me chamaria?
-Dr. De mim. Poderia chamá-lo de dr de mim.
-Ah! Sim! Poderia chamar-me de dr de si, com a tua voz. Por hoje... ficamos.

sábado, janeiro 15, 2011

Gente é de algodão

Algodão doce é gente que carrega nuvem em saquinhos de existir.

Dois

Expoente não é estrela cadente, mas o pedido que a faz existir.
Traço não é  risco no chão .É mais sapato,olhar,aparição.
Partitura? Infinito som em dois: ternura

sexta-feira, janeiro 14, 2011

A Peña

Não há como pulsar sem ser pedra.Coração que vai virar pó.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Para que serve um livro?- discussão no blog de Pedro Stiehl sobre " o livro com os dias contados"

  
É a pergunta que me faço diante de crianças que não sabem a diferença entre o ficcional e a realidade; é a denúncia que vem veloz numa dúvida: estaríamos diante de alguma mutação psíquica? Diante de alguma diferença mais do que significativa que transforma gente em algo que ainda não tem nome?
Para longe de diagnósticos, reparto esta consciência de que há uma fala nisso, levando em conta o número de crianças, e mesmo adultos, que percebem o mundo assim; uma fala do social que aponta esta forma diferenciada de conceber a existência.
São destas vivências que me sirvo para dizer que nem mal nem bem, as coisas estão mudando. Há muito tempo! Desde que o tempo é tempo, desde que...
 Digo nem mal nem bem porque não é admissível que ainda estejamos grudados na fórmula já erguida quando somos invadidos dia a dia pela voz do Outro que anuncia uma diferença. Mas qual? Esta é a questão!
Noutro dia me perguntaram: para que serve ler? Não me surpreendi, não era o lugar para isto. Escutei. A cada vez ainda retorna: para quê mesmo?
Nesta reflexão me fiz valer da cegueira de Homero, da invenção do alfabeto, da retenção dos saberes escritos pela religião e, digo-lhes... nada respondeu a tal perguntinha. Porém, de todas estas pequenas viagens trouxe na mala uma lembrança, uma reminiscência farta de particularidades: lembro-me dos trens que atravessavam nossa cidade e do quanto ler a tal placa “parar, olhar, escutar” servia-me de norte sobre o que eu não elaborava muito bem. É que o tal trem sempre é visto num traço único de velocidade que logo termina, assim como veio. Isso é difícil! O som...Ah!O som é para sempre.
Ocorre que um registro escrito está morto. Parar, olhar, escutar estava sem vida. A leitora é que fazia a placa falar!É o que dizem muitos escritores sobre seus textos enviados para as editoras: “prá mim morreu”! Um registro passa a ter vida somente quando lido, articulado, enunciado num tom próprio, pela necessidade humana de receber a palavra do outro, a nomeação de si e das coisas do mundo. É a invenção do ficcional, do espelho: onde me vejo não estou; na leitura há sempre dois: o eu e a voz de si.
 Neste sentido a transmissão é sempre oral, a verdade de Homero. Ah, sim!A transmissão é oral mas a palavra primeira é  registro latente, como os rabiscos feitos nas cavernas, como o texto inconsciente que passa a ser tecido desde o nascimento e é único. A verdade da linguagem é que ela existe enquanto potência de escrita.
 Contudo, a dificuldade desta inscrição aparece nesta impossibilidade de fazer viver um texto outro porque há uma dificuldade de fazer viver o próprio. Ali, não há reconhecimento da necessidade de receber a nomeação. Indo mais fundo... não há um si mesmo. A leitura deixa de ter função e, antes de ser somente um índice de analfabetismo ( que até vem diminuindo), precisamos perguntar: o que é SER alfabetizado?
Quando vislumbramos uma obra de arte, a assinatura não se encontra no nome somente, mas no estilo. A autoria está na marca do pincel, se estamos falando em artes plásticas; ou no traço (mesmo eletrônico) do personagem; nas pausas, no ritmo de escrita, se estamos falando em literatura... Enfim! É quando argumento que o traço é mais do que um registro gráfico, como a sílaba tônica nem sempre é acentuada. Traço, que me perdoem alguns, é o que se transmite para que continue, a falta que convida o outro a ler e reescrever, a acrescentar, como o desejo de que viva para além de hoje.Talvez saber ler e escrever tenha esta peculiaridade.
Os livros digitais se encaixam perfeitamente numa espécie de novo brinquedo para aumentar tamanho de letra, fazer mexer uns bonequinhos, responder coisinhas óbvias (como se isto fosse interagir!). O excesso de imagem subtrai a palavra e tampona a que surgiria como invenção, criação. É o entretenimento e suas vicissitudes que se encarrega de deixar “atrapado” um certo saber de si. Aqui o livro serviria para...?
Porém, a mudança fatal não diz respeito a esta nova maneira de mostrar um texto mas, antes disto, na representação psíquica deste registro; nesta variação com o objeto ESCRITURA, ou melhor, com a escrita. As formas variadas de mostrar a literatura são valorosas modificações que apresentam escolhas e, no meu ponto de vista, quantas mais se fizerem... melhor!
O livro não sendo mais do seu jeitinho, deixa de transmitir esta forma de amor pelo outro? Não creio. Porém, deixar de amar é estar impossibilitado de receber a transmissão de humanidade, é não poder ler com sua própria voz, é também não receber estas formas diferentes de registro de textos, é uma certa obediência vigente que exige morrer para si mesmo e para os outros. Pois é, pois é... Acho que a questão é este “embotamento” na transmissão de um dom. Mas, afinal: o que é transmitir o dom, a falta?
Adriana Bandeira
Dezembro de 2010

Assovio

Com o tempo se aprende a guardar o corpo na alma.Mais um pouco e se sabe que não existe dentro ou fora.Por fim restamos em som, como um assovio que repete noutro tempo e lugar.

Minha aula

...não entendi, não entendi, não entendi...

A Aula

Meu amor, não entendi.

Existência cartesiana

Enlouquecer a razão idéía,
plantando nela
a ilusão de um existir

Ensaio sobre o amor V

Vem, meu amor, dizer-me que encantos tem as estações.São os invernos ou os verões que fazem nascer as sementes?Palavras como " sincero","beijo", "saudade" trazem a idade do tempo que nos fez crescer.Repara que são tantos os arrepios e calores e desejos de antes ou do que vem.Hoje, estação do trem.
Antes que a noite termine quero que leves esta lembrança, o que todos constroem em algum tempo: infância.Leva minha caixa de antes, uns brinquedos que guardei: boneca, livro, panelas...são tudo o que sei. Leva também os seios de agora, carrega na tua sacola, travesseiro de dormir.Inventa que são meus pertences quando já nem a mim servem sem ti.
Peço que esta noite inteira , nunca esqueças em alguma fala.Guarda como perdidos de malas, aquelas coisas que se acha dentro, muito depois.Vou te contar um segredo, não serei a mesma depois.Lembra-me sempre quem hoje estou.
Escrevo somente agora porque o tempo, estação de fora, abre-se somente com este frio.Recebe esta carta com cuidado e lê para mim na praça, daqui há pouco.
Começo a tirar a meia calça de seda...branca!Minha pele é quase estrada e percebo a delícia do tecido que cobre a razão.Nem é pele, nem é chão.Sempre...estações.
Bebo o cálice inteiro e continuo a leitura de Ulisses.Várias línguas numa só.
Acho que dormíamos em meias de seda e nem sabíamos.

Mãe de rua

Digo não com minha cara de índia, com meu corpo de índia, meu filho que aprende a viver.E mais...digo não com meu sexo de mulher.A sombra do prédio, minha árvore amiga.Fico aqui onde podes me ver.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

A Função Política da Psicanálise - por Anamaria Brasil de Miranda


Numa tentativa de fazer uma hipótese acerca deste caldeirão contemporâneo, seus sujeitos e a psicanálise, penso ser fundamental retornar à Freud, ressaltando os efeitos de ruptura provocados a parir da criação de sua teoria. Este texto reflete a defesa de uma psicanálise política, politizada, subversiva, revolucionária.
Desde sua criação no século XIX, A psicanálise vem transmitindo sua mensagem conflitante através dos tempos. A formulação freudiana da teoria do inconsciente chega desacomodando saberes e verdades lançando não só uma nova concepção de sujeito, mas a proposição de uma ética. Na medida em que propõe uma nova visão de sujeito, fora de um regimento moral e normativo, estremece os interesses das instituições de domínio vigentes balançando os poderes coercitivos da medicina, ciência e religião – para citar apenas alguns.
Longe de ser uma prática “burguesa”, como muito já foi, e ainda é criticada, a psicanálise (e os locais onde ela se produz) tem conquistado corações revolucionários. Delineando, sem fortes contornos, uma ferramenta de função política, a psicanálise reverbera através de uma ética do sujeito.
Freud, através de uma definição revolucionária de uma sexualidade desde a infância, coloca por terra a concepção consensual vigente da existência de uma “normalidade sexual” definida pela sexualidade genital do adulto, limitada à consumação do ato sexual, com fins de reprodução.
Freud ouviu os sintomas de seus pacientes apontando que esses eram desejos sexuais intoleráveis para a consciência moral daquelas pessoas, e que, portanto, se manifestavam transformados em sintomas. O desejo continuava presente, mas irreconhecível enquanto tal, aparecendo na forma de paralisias, compulsões, fobias, etc.
A grande “sacada” de Freud foi que os sintomas estudados por ele - as neuroses: obsessiva e histérica, sobretudo esta última – eram uma denúncia do que não ia bem naquela lógica social, identificando o que chamou de mal estar na civilização. O sintoma era, então, o êxito do inconsciente em enunciar um fracasso - o da tentativa de disciplinarização dos corpos e mentes.
Entre outras consequências revolucionárias da formulação da teoria psicanalítica está o fato de que Freud não apenas deu ouvidos, mas deu voz às mulheres quando descobriu a outra cena da histeria, denunciando que o lugar proposto (ou imposto) àquelas mulheres, não correspondia ao seu desejo e que elas respondiam com o adoecimento conversivo do corpo.
Na sequência dos fatos históricos, em 1969, exatos 30 anos após a morte de Freud – pouquíssimo tempo comparado a uma noção de história – estouram a Revolução Feminista liderada por Betty Friedeman e a Revolução Sexual da juventude. Um ano antes, a revolução estudantil e o Maio de 68.
Seria Freud um precursor destas Revoluções?
Pode não ter sido de “caso pensado”, mas justamente, o lançamento em uma ética da utopia é não saber onde se vai chegar. Freud pode ter sido, em relação às mulheres, um homem do seu tempo: machista, conservador, familiocêntrico, mas a fidelidade a sua pesquisa o levou para um lado não previsto – o de colaborar com as revoluções juvenis da s gerações seguintes.
A revolução que a noção do sujeito dotado de inconsciente provoca é digna de um “furor apocalíptico” não só na área das ciências humanas, mas também no laço social. Através da proposição de uma ética do não saber, a psicanálise instaura um caráter subversivo de denúncia do aprisionamento do sujeito às instâncias disciplinadoras de sua época.
Mas a o conflito não para por aí. Nos próprios movimentos de esquerda surge a crítica à psicanálise como uma teoria despolitizada e, inclusive, de coadunar com a proposta de direita – moralizante, famíliocêntrica, adaptacionista![1] Pergunto-me se estes pensadores não compreenderam o caráter sorrateiro de seus efeitos. Mas também considero importante salientar que, muito do que a psicanálise é hoje, partiu das críticas direcionadas a ela. É na diversidade que a proposta da psicanálise se estende e potencializa. A proposição de uma nova visão de sujeito e de uma ética da psicanálise vai além da proposição de ação direta política dos movimentos esquerdistas e a atravessa.
O caráter político da psicanálise – em detrimento de uma noção de “neutralidade política” suposta na mesma – foi questionado não somente pelos seus críticos, mas também pelos próprios psicanalistas. Vale lembrar que a neutralidade do analista que Freud propõe (de uma escuta amoral na clínica) se refere ao seu próprio desejo – considerando também que o analista é sujeito e, portanto, dotado de inconsciente – e não ao seu lugar social.
Poucas décadas após a morte de Freud, revoluções – lideradas, sobretudo, por jovens – de cunho anti-autoritário, questionadores da ordem tomavam as ruas das cidades. Dentre elas, o Maio de 68, a Revolução Sexual da juventude e a Revolução Feminista.
A era dos totalitarismos evidentes fracassa e dá passagem a outro momento que Foucault (1986) nomeia de passagem da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle: o sistema capitalista toma força e muda sua estratégia: ao invés da coerção aberta, da disciplina impositiva, repressora e proibicionista, a lógica agora é de uma ditadura velada em que o capital é o comandante e onde as instâncias de poder são feitas através de uma sedução ao sujeito. O totalitarismo ocupa o espaço da utopia. O pensamento único cede lugar à aspiração pela diversidade.
A cultura ocidental contemporânea fora dominada e passa a ser regida pela lógica do capital. Seus discursos produzem saberes e verdades que dizem respeito a uma produção de posição subjetiva apática e seu consequente laço social. Dentro desta lógica, pouco espaço é ofertado para as alteridades, para a inventividade, para que um sujeito se abra para novas significações e para que se dê vazão a um caráter questionador da ordem. Novos sujeitos são produzidos – o homem pós-moderno – e novos sintomas eclodem a partir disso. E a psicanálise continua de pé e tendo algo a dizer sobre esses sofrimentos.
Provocar furos nesta realidade é um estilo de convocar o sujeito a uma produção singular de sentidos para sua existência. Entender a ética da clínica psicanalítica como um movimento contra-cultural – portanto político – é assumir que temos responsabilidade acerca do sofrimento psíquico humano enquanto sintoma social.

Anamaria Brasil de MIranda



[1] É importante lembrar que a linha determinada como valida pelo Partido Comunista Internacional é a reflexologia oriunda da União Soviética banindo a psicanálise como ciência burguesa e os psicanalistas das fileiras do Partido.


Anamaria é psicóloga,psicanalista,membro da Associação Clínica Freuiana e mestranda em Psicologia Social


A REVOLUÇÃO EM LÍNGUA MATERNA- Quem é A Negra Ama Jesus?

1-Esta entrevista não deixa de ser uma aventura!Pelo tanto que conheço e desconheço vocês. Explico: imagino muitas coisas a respeito do trabalho,chego a brincar com algumas representações que tomo emprestado, girando um faz de contas universal.Esta é a palavra:Universal.Também desconheço a trajetória, o projeto em si desta construção coletiva.O que é este projeto?
Marcus - O arco onírico inventa-nos. Temos 15 anos de casados e cinco filhos criados em nossa trajetória. A Negra Ama inventa-nos. Quem é esta mãe? O amor em forma de arte. Nossa harmonia, em meio aos espinhos que o destino nos crava, tem sido produzida enquanto nos colocamos no colo desta grande mãe. A dionisíaca ambição do ritual artístico procura louvar uma brasileira jornada, de alegria e encantamento.

2-Conheci o trabalho de vocês pelo Orkut. O que me chamou foi, mais do que tudo, “ A Negra...Assinalo esta questão lembrando que A negra é universal.Mãe e Jesus nem tanto.Quero dizer que mãe, geralmente, está determinada, colocada numa perspectiva de cuidados e de santidade.Jesus, da mesma forma.Porém...A Negra, somos todas nós,as mulheres, as possíveis mães, as putas, as moças, as esposas, as amantes,as...Enfim!É numa potência de construção.O que acham disto?

Sílvia - A Negra Ama Jesus é uma energia movida pela bênção de uma mãe benta, o que guarda a força, o embate entre o masculino e o feminino. A ideia é o sincrético, o espaço de todos, o encontro entre o profano e o divino. A ordem é o mito do novo amor criado a partir do feminino. O acolhimento, o porto, a casa. A oração em línguas diferentes, o espaço pra a crença sem o dogma imposto pelas religiões. A construção de novos olhares sobre as relações. Escrevo em um poema: “Protege o meu andar/Ó santa virgem./Envolve com seu manto/Todas as putas mães/Resignadas ao calvário./Pinga sobre o meu olho/O óleo perfumado de lótus,/Ó amantíssima mãe das cadelas.” A negra construída no imaginário feminino é a raiz do Brasil e seus encantos.

3-“Revolução em língua brasileira”... É isso o que diz um de seus poemas. É surpreendente pois de fato a revolução só pode vir nesta língua, nesta forma de falar que vem de berço, forma de agrupar as palavras e as verdades, numa transmissão de amor.Esta relação com a língua lembra o que antecede e funda o que ainda vem.Como A Negra trabalha com este tempo, com  as tradições, com as invenções?
Marcus - O poema fala: “Enamorar-se por uma dionisíaca intenção./ Amar a cor negra./Rezar pela moça indígena./ Lágrima por uma revolução em língua brasileira./Lógica tropical ritualizando a verdade em cruz e violência”. A forma do português falado no Brasil é doce, como diz Gilberto Freyre, por obra da ama negra de leite. O seio da ama de leite adoça a boca de menino. Freyre relata que há uma espécie de amolecimento no falar brasileiro da língua portuguesa perpetrado pela negra ama: “A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí esse português de menino que no norte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste mundo”. A civilização brasileira já está ocupando o espaço do novo modo de produzir a transformação. A posse recente de uma mulher presidente depois de o país ter sido governado por um retirante nordestino, ex-operário, já revela uma forma pacífica de revolução.

4-Por muitas razões percebo que vocês dão espaço privilegiado ao que podemos chamar de imaginário feminino. Por exemplo: “boneca de pano é leitura em língua ovariana”. Existe uma espécie de pontuação, de articulação com as peculiaridades de formas do existir. Independente de ser homem ou mulher, o feminino e o masculino falando, compondo,dizendo-se nas suas diferenças.Ovários,Dona Deusa,Jesus,Diabo Velho...todos abrindo espaço para a vida.Poderiam falar um pouco disto?
Sílvia - Quando ouvi o Marcus falando em lírica ovariana fiquei fascinada. A linguagem feminina em composição masculina. Assim partimos para uma aventura artística ao mesmo tempo em que reconstruíamos nosso casamento. Fizemos isto, costuramos, remendamos e bordamos a nossa relação. Com todo esse universo em nossa casa, ancorada por Dona Deusa (que vive em mim), começamos a pensar em um projeto criado a partir de nossas percepções mais profundas. Algo assim, místico e grandioso.

5-Mas...Coralina?(ehehehe).O que é Coralina encarnada a mãe Universal, para vocês?
Marcus -  A poesia de Cora Coralina acende o rito de adorar a mãe. Nossa poesia, junto com as imagens que produzimos, pretende dar continuidade a este rito. Um poema de Cora acorda a memória arquetípica da mãe, que enfeita de ouro o lixo: “Beco da minha terra.../Amo tua paisagem triste, ausente e suja./Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa./Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio./E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia,/E semeia polmes dourados no teu lixo pobre,/Calçando de ouro a sandália velha,/Jogada no teu monturo.” A arte é nossa réstia de sol.

6-Particularmente sempre pensei que costurar e escrever fossem quase a mesma coisa: num tecido sem fim recorta-se sonhos, costura-se para que possam ser usados.Brinco que as palavras são as melhores roupas e que as cores...Ah! As cores escolhemos, inventamos. Quando percebi que vocês trabalham com tecidos, de fato, encantei-me. Qual a diferença entre roupa e palavra?

Sílvia - A roupa torna-se a palavra vestida, recebida de uma conspiração entre poesia, indivíduo (que veste a roupa) e arquétipos criados no espaço d’A Negra. A sociabilidade da palavra na ótica d’A Negra enquanto projeto de arte e proposta estética. As cores do Brasil. A criação do imaginário através dos arquétipos.

7-Por vezes acho o ritmo da escrita de A Negra ama Jesus parecido com o dos que caminha em grande jornada. É rápido e lento, é pausado e forte... para chegar lá.O que é a escrita enquanto ritmo?Onde desejam chegar?
Marcus - A Negra Ama Jesus quer imitar o tempo mítico do terno gozo que o estelar medo infunde no ser humano, ou seja, ressuscitar na poesia. A pátria origina-se deste medo da sua própria morte.

8-A arte e a ...cidade ( ehehehehe). Nasceu da cidade a arte ou da arte a cidade? Pois é, pois é...Como A Negra ama Jesus pensa esta relação ?

Marcus - A cidade artisticamente se faz. A dor erige um amoroso e lento processo de civilização. A arte alivia esta dor.


9-Causar indignação e esperança, causar uma revolução em língua brasileira, causar movimentos como  “Abrir a Ferro e Sal”...”Com olhares de Dona Deusa”...Sei que Silvia Goulart e Marcus Minuzzi são os idealizadores deste projeto.O que causou este envolvimento, este desejo ?O que os move neste sentido?
Sílvia - A nossa união. O casamento. Depois de uma crise muito grande no casamento, buscamos a reconstrução. Um processo difícil e demorado. Nos reencontramos querendo criar este vínculo divino através da arte. Portanto, a cura. Se você observar, as poesias estão repletas deste tema. “Bordamos, espetamos, despertamos a dor, para depois a curar.” É o trecho de um poema meu. “Cortar a ferro e a sal” é quase um feitiço, uma força feminina em busca do seu amor. Além de tudo, o amor pelo Brasil. Todos os elementos e símbolos brasileiros estão presentes. A “revolução em língua brasileira” é a proposta do novo espaço forjado pela ótica feminina.


10-O bem  e o mal...é o que aparece em muitas composições.Bordar, espetar, curar. A relação da cura com a doença; o pathos ( paixão) do  humano que traz dor mas também toda a delícia de criar e amar.O que seria “ cura”, neste sentido?
Sílvia - Acho que acabei respondendo acima. Em toda a relação homem/mulher, abrem-se feridas, isto é inevitável. As mágoas, as rusgas, enfim, tudo que nos coloca adversários. É uma guerra. Por isso, transformamos esse guerrear num guerrear divino. Guerreamos brincando com a arte. Escrevendo, pintando. Fazendo de nossa casa um templo. Resolvemos nossas dores e diferenças neste espaço. Se você assistir a um de nossos vídeos vai aparecer no final: produzido no espaço mitológico do guerrear divino entre Dona Deusa (Sílvia) e o Boi Arteiro (Marcus). Isto é a cura – a arte.
11-Pelo tanto que conheço (que ainda é pouco) e desejo conhecer o trabalho de vocês, diria que é de fundação, de alicerce, de transmissão de algo. Neste sentido, passar adiante o faltante, o que convoca a cirandar,costurar,escrever,pintar.O que é este espaço  enquanto lugar físico?
12-E enquanto lugar simbólico, nesta terra, neste tempo?

Marcus - A ciranda ordena a lembrança da forma circular. O ouro que descobrimos artisticamente harmoniza o anseio por amor infinito como a violência e a pobreza da vida cotidiana. Girar é tornar a pobreza um espaço olímpico, ou seja, divino. A representação do ouro artístico brasileiro está na cultura popular, especialmente no carnaval. O mito brasileiro tira da espacialidade tropical uma alegria que torna seu tempo molemente aquoso.

13 - Vocês são gaúchos e do mundo. Como chegaram neste espaço e tempo?

Marcus - Sair do Rio grande do Sul nos trouxe para o coração do Brasil. A aventura da exploração de um sertão moderno nos torna a cada dia mais brasileiros.

14-Gostariam de dizer mais alguma coisa?
Sílvia - Gostaria de dizer da alegria imensa de poder falar d’A Negra. Perguntas tão precisas, que refletem o quanto a entrevistadora captou bem a essência do projeto. Este projeto é de todos. Começa aqui em nossa casa. Mas esperamos criar pernas, braços, vozes, para que possamos reinventar relações. Estamos gestando algo que muitas vezes causa estranhamento, dúvidas, as pessoas não entendem. O nome é inusitado, mas chama para o Brasil. Para a mãe de leite, a negra ama. Para o carma crístico, a fé em  Jesus, a religiosidade. Já rezamos o rosário incessantemente para prosseguirmos nossa vida a dois, já o fizemos, sim. Estamos andando e crescendo, temos certeza de que é uma missão.



Agora, terminando por aqui, lembrei de uma inscrição de sonho muito particular.Sempre achei que eu era filha de Pequena, minha mãezinha que tinha a pele escura.Ainda lembro do susto quando me disseram que não.Oras! As pessoas dizem tantas coisas!Quem sabe direito sobre filiação! Pequena...mãezinha para sempre,do coração!Pois é...A Negra Ama Jesus , mãe universal ,possivelmente adota a todos que tem palavra de vestir.Além de agradecer a entrevista prometo à mim conhecê-los, aí no Cerrado, para encontrar comigo mesma, meu Diabo Velho e anoitecer com Coralina a desenhar a janela.Fico feliz e grata pelo nosso encontro , por compartilharem conosco esta obra magnífica de humanidade e amor.
Beijo com todas as letras
Adriana Bandeira