quarta-feira, janeiro 12, 2011

A Função Política da Psicanálise - por Anamaria Brasil de Miranda


Numa tentativa de fazer uma hipótese acerca deste caldeirão contemporâneo, seus sujeitos e a psicanálise, penso ser fundamental retornar à Freud, ressaltando os efeitos de ruptura provocados a parir da criação de sua teoria. Este texto reflete a defesa de uma psicanálise política, politizada, subversiva, revolucionária.
Desde sua criação no século XIX, A psicanálise vem transmitindo sua mensagem conflitante através dos tempos. A formulação freudiana da teoria do inconsciente chega desacomodando saberes e verdades lançando não só uma nova concepção de sujeito, mas a proposição de uma ética. Na medida em que propõe uma nova visão de sujeito, fora de um regimento moral e normativo, estremece os interesses das instituições de domínio vigentes balançando os poderes coercitivos da medicina, ciência e religião – para citar apenas alguns.
Longe de ser uma prática “burguesa”, como muito já foi, e ainda é criticada, a psicanálise (e os locais onde ela se produz) tem conquistado corações revolucionários. Delineando, sem fortes contornos, uma ferramenta de função política, a psicanálise reverbera através de uma ética do sujeito.
Freud, através de uma definição revolucionária de uma sexualidade desde a infância, coloca por terra a concepção consensual vigente da existência de uma “normalidade sexual” definida pela sexualidade genital do adulto, limitada à consumação do ato sexual, com fins de reprodução.
Freud ouviu os sintomas de seus pacientes apontando que esses eram desejos sexuais intoleráveis para a consciência moral daquelas pessoas, e que, portanto, se manifestavam transformados em sintomas. O desejo continuava presente, mas irreconhecível enquanto tal, aparecendo na forma de paralisias, compulsões, fobias, etc.
A grande “sacada” de Freud foi que os sintomas estudados por ele - as neuroses: obsessiva e histérica, sobretudo esta última – eram uma denúncia do que não ia bem naquela lógica social, identificando o que chamou de mal estar na civilização. O sintoma era, então, o êxito do inconsciente em enunciar um fracasso - o da tentativa de disciplinarização dos corpos e mentes.
Entre outras consequências revolucionárias da formulação da teoria psicanalítica está o fato de que Freud não apenas deu ouvidos, mas deu voz às mulheres quando descobriu a outra cena da histeria, denunciando que o lugar proposto (ou imposto) àquelas mulheres, não correspondia ao seu desejo e que elas respondiam com o adoecimento conversivo do corpo.
Na sequência dos fatos históricos, em 1969, exatos 30 anos após a morte de Freud – pouquíssimo tempo comparado a uma noção de história – estouram a Revolução Feminista liderada por Betty Friedeman e a Revolução Sexual da juventude. Um ano antes, a revolução estudantil e o Maio de 68.
Seria Freud um precursor destas Revoluções?
Pode não ter sido de “caso pensado”, mas justamente, o lançamento em uma ética da utopia é não saber onde se vai chegar. Freud pode ter sido, em relação às mulheres, um homem do seu tempo: machista, conservador, familiocêntrico, mas a fidelidade a sua pesquisa o levou para um lado não previsto – o de colaborar com as revoluções juvenis da s gerações seguintes.
A revolução que a noção do sujeito dotado de inconsciente provoca é digna de um “furor apocalíptico” não só na área das ciências humanas, mas também no laço social. Através da proposição de uma ética do não saber, a psicanálise instaura um caráter subversivo de denúncia do aprisionamento do sujeito às instâncias disciplinadoras de sua época.
Mas a o conflito não para por aí. Nos próprios movimentos de esquerda surge a crítica à psicanálise como uma teoria despolitizada e, inclusive, de coadunar com a proposta de direita – moralizante, famíliocêntrica, adaptacionista![1] Pergunto-me se estes pensadores não compreenderam o caráter sorrateiro de seus efeitos. Mas também considero importante salientar que, muito do que a psicanálise é hoje, partiu das críticas direcionadas a ela. É na diversidade que a proposta da psicanálise se estende e potencializa. A proposição de uma nova visão de sujeito e de uma ética da psicanálise vai além da proposição de ação direta política dos movimentos esquerdistas e a atravessa.
O caráter político da psicanálise – em detrimento de uma noção de “neutralidade política” suposta na mesma – foi questionado não somente pelos seus críticos, mas também pelos próprios psicanalistas. Vale lembrar que a neutralidade do analista que Freud propõe (de uma escuta amoral na clínica) se refere ao seu próprio desejo – considerando também que o analista é sujeito e, portanto, dotado de inconsciente – e não ao seu lugar social.
Poucas décadas após a morte de Freud, revoluções – lideradas, sobretudo, por jovens – de cunho anti-autoritário, questionadores da ordem tomavam as ruas das cidades. Dentre elas, o Maio de 68, a Revolução Sexual da juventude e a Revolução Feminista.
A era dos totalitarismos evidentes fracassa e dá passagem a outro momento que Foucault (1986) nomeia de passagem da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle: o sistema capitalista toma força e muda sua estratégia: ao invés da coerção aberta, da disciplina impositiva, repressora e proibicionista, a lógica agora é de uma ditadura velada em que o capital é o comandante e onde as instâncias de poder são feitas através de uma sedução ao sujeito. O totalitarismo ocupa o espaço da utopia. O pensamento único cede lugar à aspiração pela diversidade.
A cultura ocidental contemporânea fora dominada e passa a ser regida pela lógica do capital. Seus discursos produzem saberes e verdades que dizem respeito a uma produção de posição subjetiva apática e seu consequente laço social. Dentro desta lógica, pouco espaço é ofertado para as alteridades, para a inventividade, para que um sujeito se abra para novas significações e para que se dê vazão a um caráter questionador da ordem. Novos sujeitos são produzidos – o homem pós-moderno – e novos sintomas eclodem a partir disso. E a psicanálise continua de pé e tendo algo a dizer sobre esses sofrimentos.
Provocar furos nesta realidade é um estilo de convocar o sujeito a uma produção singular de sentidos para sua existência. Entender a ética da clínica psicanalítica como um movimento contra-cultural – portanto político – é assumir que temos responsabilidade acerca do sofrimento psíquico humano enquanto sintoma social.

Anamaria Brasil de MIranda



[1] É importante lembrar que a linha determinada como valida pelo Partido Comunista Internacional é a reflexologia oriunda da União Soviética banindo a psicanálise como ciência burguesa e os psicanalistas das fileiras do Partido.


Anamaria é psicóloga,psicanalista,membro da Associação Clínica Freuiana e mestranda em Psicologia Social


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