-Sim?
-Bem...acho que...tem coisas que para mim não tem volta...Quero dizer...
-Hum!Tantas reticências!
-Suspensão.Estou suspensa.Esta é minha pontuação.Estou suspensa por mim mesma e isso me acontece vez ou outra.
-Hum!Sus pensa...
-É...SUS...Atendimento para todos, indiferenciado(ehehehhehehe).
-Ehehehehhehehe...Para cada um, significantes tantos, não é mesmo?
-.Pretendo esta suspensão,este alívio de me vestir com esta roupa que não deixa passar nada!Indiferença.
-E dá?
-Não sei.O fato é que quando algo me atinge sei me vestir direitinho para que nunca mais, daquilo, eu venha adoecer.
-Como assim?
-É um efeito, um defeito, esta queimadura que tive em criança.Até pouco tempo não sabia se ainda não tinha metade do rosto repuxado.Não é raro que me acorde e passe a mão do lado esquerdo...
-Coisas do coração...
-É!Como diria um poeta...interrupção do rosto.
-Ah!
-Pois é...mas é assim...depois de alguma coisa, nunca mais volto.E enquanto a coisa está acontecendo, esta perda, esta denúncia, esta dor...o sentimento é maior porque eu sei que vou embora e nunca mais vai ser possível.
-....
-Eu não sei qual é a coisa que faz com que eu vá embora...quero dizer, embora subjetivamente daquele lugar, daquele bem querer, daquele amor...Vou embora diferente, para sempre!
-...Qual o problema?
-É este tempo em que eu sei que estou indo.É como se eu reconhecesse minha fuga, meu pedido de que o outro me fizesse ficar.Mas quando isso não acontece, vou indo, indo...suspensão!
-Ah!
-Hoje...nos cuprimentamos cordialmente.Roupa de lã, nada me toca.Mas os olhos, a lágrima que não vem, a denúncia esquisita num sorriso um tanto de dor.Senti estas coisas nele.Mas acho que não é verdade.Sei lá...Isso é devastador.Há uma inverdade neste encontro, uma insensatez não da loucura, da lágrima mas a insensatez do abandono.Eu queria ter dito: não me deixa ir! Se me deixares ir...Nunca mais vou voltar!E eu só pude dizer que " não é chique"...o lugar para onde vou.
-Chique?
-É...O lugar para onde vou é de suspensão.Ele falava de outra coisa.Eu digo: suspensão.Quando criança eu chateava as primas.Elas inventavam alguma coisa , para que eu fosse buscar algo...eu era bem menor que elas.Quando eu voltava, já tinham ido embora.Ainda as via felizes, correndo.Era na praia e eu acabava tendo para mim aquele mar enorme, que eu enxergava esquisito.Depois me lembro que me dei por conta que eu enxergava embaçado...Eu estava chorando!Isso aconteceu umas duas ou três vezes.Depois nunca mais! Nunca mais eu mesma quis estar com elas.Acho que ficavam mais felizes sem minha companhia.
-Te suspendiam...e tu ficavas como?
-Sim.É o outro que suspende.Com o tempo...mais feliz sem elas.É isso.Acostumo-me com a solidão.Digo, a solidão que diz respeito a alguém especificamente.Sem SUS...ehehehehhe.
-SUS...a política é algo solitário; a escrita é algo solitário...Sem faltas?
-É como se a falta estivesse ali para sempre.E ela é como a presença dele.Uma queimadura, mesmo que não apareça...Eu amo a distância que vai crescendo.Talvez por ser a única coisa que nos ligue.
-É estranho...Poderias ter dito: vem!
-Jamais eu diria Vem!Tenho medo de não fazê-lo feliz.
-Medo de fazê-lo feliz!Medo de que te faça...
-Talvez.Mas, neste momento, a verdade é que estou blindada e este é só o começo da minha fuga para sempre.Estou indo embora e ele nem sabe.
-Ok...por hoje?!
-Ok.Aliás: é estranho que eu não ouça tua voz?
-Sim.É a escrita que fazes,não?
Será que ainda guardamos as queimaduras da vida passada. Dores insuportáveis como tumores ou imperfeições por radioactividade?
ResponderExcluirAntónio
Guardamos como relíquias aquilo que nos faz.Mas, como os tesouros, são apenas...relíquias.Não podemos fazer delas as nossas vidas.Por isso, talvez, o que ela escreve à freud não seja o mais importante.Mas o fato de que o reinventa para poder escrever.Como refazer um rosto interrompido com as palavras vento,cabelos e outras.O que dizer?Que apesar de tudo...amamos.E para isso não há cura.
ResponderExcluirFico honrada com tua leitura.Aliás já estamos alinhavando nossa conversa além mar!Vamos por aí?
beijo
adriana