quarta-feira, dezembro 29, 2010

A nudez é sempre humana,a palavra também


Chamo Leituras freudianas a possibilidade de pensarmos a psicanálise como parte de nossas vidas. Depois da descoberta de Freud nunca mais foi possível separar alguns conceitos, percepções e mesmo saberes que cada um carrega de forma peculiar. Podemos pensar que estes conceitos servem somente  para alguns e que, certamente, metade da população não sabe nada sobre psicanálise. Isso seria verdade se estivéssemos diferenciados por alguma rede não humana, uma capa protetora capaz de barrar a transmissão de saberes através da linguagem. Quando falamos que psicanálise é para quem pode pagar, não estamos lembrando que o pagamento de muitos diz respeito aos sacrifícios do corpo nos efeitos colaterais dos remédios, distribuídos gratuitamente; muitas vezes está num diagnóstico pseudo-psicanalítico que imprime numa criança o termo: hiperativo; nos excessos de uma visão deturpada de infância que faz com que as crianças possam tudo porque Freud falou isto ou aquilo. São os conceitos usados de forma inescrupulosa.
Existem famílias em que, por motivos óbvios, dormem todos no mesmo quarto. Pensar isto como uma forma incestuosa não tem nada a ver com psicanálise. É o mesmo que marcar um poema de Hilda Hilst como: pornográfico. Escutar o que ocorre nesta organização, na poesia de Hilda...,sim!
É neste aspecto que não há como dizer que a psicanálise não existe para alguns. Há um saber em todos os que passam por estas vivências, de uma forma ou de outra. Porém, resta lembrar  algumas questões para fazer valer a descoberta freudiana: quando se trata de escuta psicanalítica e quando se trata de escuta que exerce poder sobre o outro? É esta a diferença... uma ética que nasce com o desejo de analisar, somente.É este o desejo do analista.
Estes lugares: analista, psicanalista, analisante são de uma mesma pessoa, são lugares subjetivos ocupados em diferentes momentos. Os psicanalistas não estão isentos de suas paixões, de seus sofrimentos e de suas dúvidas. O que fazem deles analistas é o tratamento que conduzem, suas perspectivas em pesquisa e suas vivências sobre sua própria verdade, no divã. Vale lembrar que os analistas estão atrás do divã, pontuando, apontando, interpretando...também silenciando. Os psicanalistas estão discutindo os casos, escrevendo, pensando. Os analisantes estão deitados no divã, indiscutivelmente por muito tempo, por algum tempo, vez ou outra... por algum tempo, por muito...Não tem fim, até terminar! Assim como não tem fim o desejo de fazer poesia.
O brilhantismo de Freud, porém, não diz respeito aos conceitos, somente. Não!O que é raro e surpreendente é sua virtude em querer saber a respeito do sofrimento humano; abrir uma escuta onde já estava determinada uma prescrição (precisamos lembrar que Freud era um neurologista, estudava a fisiologia das enguias, sendo um dos precursores na descoberta das sinapses cerebrais).
Colocar o saber do lado de quem fala, daquele que diz algo sobre sua dor é apostar na potência de cada um. É neste aspecto que Freud transmite o que de fato institui uma análise: o desejo do analista de colocar-se a escutar o Outro, a fala.
         A psicanálise, neste contexto, é fundada numa ética e sem ela na há psicanálise, ou seja, não há o analista e seu paciente. Pode haver outro tipo de par... não este.
É Lacan que nos ajuda a pensar em Leituras Freudianas. Na sua releitura da obra de Freud resgata os termos em alemão (aqui entre nós, um tanto modificados nas traduções, o que ocasiona diferenças fatais nesta ética psicanalítica), as vivências, a prática de Freud, instituindo a condição de que à qualquer um, que tenha interesse em psicanálise, está dado ler o texto inconsciente, reinventando-se, interando-se sobre sua verdade. Lacan nos convida a descobrir, a exercitar uma escuta em que o saber está suposto nesta linguagem que sempre é falha.
Mas... por que Leituras Freudianas num blogue?Oras!A psicanálise está nas pessoas. E não se trata de tentarmos fazer encaixar um sujeito num conceito psicanalítico (eheheheh). Não!O sujeito é que , vez ou outra se diz, revela-se nas suas paixões. Nisso a psicanálise e a poesia são todo o registro de um pedaço de possibilidade. Diria nosso amigo: a pontinha de um iceberg. Diria nosso outro amigo: nada é mais profundo do que a pele.
Freud, ao ser perguntado: Quem são seus mestres?, aponta sua biblioteca, seus livros com os quais tinha longas conversas também. Ali os clássicos da literatura. Pois bem...”Leituras Freudianas” está na rua pela simples razão de que foi na rua, com as pessoas, com os livros que Freud descobriu um traço Universal de humanidade. Para além das pulsões, mal estares, associações, descobriu justamente o falho, o que aparece sem querer e surpreende; para além da doença, ao contrário disto, fez mostrar toda a potência humana no ato de dizer-se para ser outro. Há ternura implícita na verdade que sempre aponta uma nudez. Esta ternura possível, num reconhecimento de falta, faz das leituras, únicas, e da poesia um ato do dizer.
Adriana Bandeira
Dezembro 2010

5 comentários:

  1. Um dos amigos que Freud apontou, na estante, era Kipling, que disse: Dê-me uma criança até os cinco anos e podem ficar com o resto.

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  2. Olá Adriana. Obrigado pelo comentário no blog. Bela poesia e muita reflexão também se vê por aqui! Abraço d'A Negra.

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  3. Confesso que li este texto muito levianamente. Terei e quero lê-lo com mais atenção.
    No entanto o que tanto me estimula a ler esta breve apresentação de Freud é o seu título. Lembra-me um texto que escrevi e publiquei no meu blog de nome A Interrupção do Rosto, posto, lá para Fevereiro ou Março de 2010. Muito se poderia dizer, tendo apenas como base o título deste texto. É um desafio.

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  4. Querido Antonio
    Fico feliz e agradecida com a tua visita.Adoraria que compartilhasse conosco A Interrupção do Rosto, poema belíssimo que já li em acasaquecaminha.Aliás acasaquecaminha e vidráguaas foram os blogues que incentivaram Indecentes Palavras.
    beijo grande de além mar

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  5. Adriana, um beijo grande e este pensar levei lá para Vidráguas na secção Interiores... obrigada pela companhia e mais ainda por esta reflexão.

    Carmen.

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