quarta-feira, dezembro 15, 2010

Eu vi Quintana na feira do livro

                                           Eu vi Quintana na feira do livro
                                                                                                       Adriana Bandeira
Surpreende a atitude da escritora que, na maior feira do livro da América do Sul, traz sua pequena casa, de cachorro, estabelecendo-se na praça em meio aos livros, mostrando de fato o que acontece com quem escreve literatura.
Falo literatura identificando aquele texto que faz aparecer, surgir como uma escultura, aquilo da coisa.Ora, aquilo da coisa são os restos que habitam a humanidade, suas questões que perduram ao longo do tempo: a sexualidade,a morte e as suas produções.Sim!O que cada um faz com o que produz?O que cada um faz com o seu... cocô?
Não se atenham ao vergonhoso que faz rasura, afinal não há disparate algum em termos ciência de que todos , sem exceção, produzimos algo, deixamos um rastro, uma marca.
Ocorre que a escritora deixa enunciada sua condição de texto. Explicita o domínio de grandes editoras, capazes de determinar o que será lido ou não.São os livros que nos chegam, desde os pequenos e coloridos livrinhos infantis até estes chamados best-sellers, sustentados pela maquinaria, pela supremacia de um discurso de poder.
Todo o texto ... é bom.Afinal, produzir um texto é o melhor que podemos fazer!Porém, fazer dele Aquilo da Coisa...bem,cheira mal.Textos determinados a serem lidos, textos assumidos como de grande potencial de venda...servem bem ao consumo.Hoje o consumo invade nossas vidas e faz girar dinheiro: drogas,televisão,objetos, quinquilharias,outras...Hoje o consumo nos consome.
Uma das maiores obras de arte, de texto coletivo, é o que acontece na Argentina. As Mães da Praça de Maio são uma obra de arte em movimento, um registro para que ninguém esqueça do desaparecimento,da violência imposta, do filho perdido .Esta obra traz referências tantas, indagações outras e mais,que se torna uma obra viva e legítima porque perdura e se renova .Ela não tem retorno em acúmulo a certo deus, o capital.
É desta forma que apontamos os impasses de nossa forma de pensar, nesta pequena comunidade de escritores, de artistas que produzem música, textos, expressões, reflexões. A produção disto nas ruas, nas praças retorna em formas diferenciadas, em gestos de humanidade, em outras palavras que passam a significar a vida das pessoas
A produção de literatura, de obras, ganha o domínio e poder da falta de poder, já que a reflexão é própria e singular. A revolução é sempre única e subjetiva. Indistinta forma de juntar-se num coletivo.
Quando pensamos em financiamentos que outorguem a concretude de uma obra, resta pensar de que obra falamos. O entendimento da arte como bem a ser especificado num  retorno em dinheiro faz marca, transformando o texto de arte em bem de consumo.Oras!O retorno financeiro existe somente nos grandes prêmios, nas grandes exposições, nas bilheterias cheias e etc... O retorno da arte está na revolução singular que ela produz em cada um que por ela é tocado. Isto vale cada vez mais neste momento em que na cidade das artes, precisamos buscar formas variadas de patrocínio, de possibilidade para deixarmos na praça, na rua, na vida...uma marca de humanidade.
Talvez não deva ser uma obrigação do poder público acolher nossas rasuras artísticas, nossa invenção do humano.Talvez não deva ser um fundo para cultura que possibilite isto. Não!Talvez  o bem maior seja a falta deste reconhecimento, o que nos faz seguir articulando poesia, falas e singularidade.Porque as pessoas daqui são poetas e artista e músicos brilhantes...e mais do que daqui são de lá, de todo o lugar que faz nascer uma canção.Estamos, subjetivamente, na cidade das artes!
Pois é, pois é...mas na feira do livro, Quintana estava lá.Sentou-se ao lado da casa  do cachorro,conversou com a escritora Telma.Fumamos cigarros, misturando uma fumaça deliciosa...Tenho certeza  que ele compôs um poema, silenciosamente.Fiquei ao seu lado também em silêncio...para não incomodar!Olhou-me sorrindo e falou: Adriana, vamos comer um quindim e tomar café? Fui,né?
Adriana Bandeira
Novembro de 2010

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