1-O que é escrever poesia?É possível traduzir um poema?
O escrever poesia, para mim, é um impulso incontrolável. Este impulso surgiu há pouco, questão de um ano atrás. Não sei te dizer bem porque, mas meus poemas, em sua grande maioria, falam de erotismo. Talvez porque, com o passar do tempo, cada vez se torna mais clara a importância do ser erótico, do expressar o desejo, do poder dizer tudo com todas as letras. O poema é traduzível, sim, embora seja, a meu ver, a tradução mais complexa que existe.
2-Falando de tradução...Há sempre um mistério na palavra que
circula entre o que eu desejava dizer e o dito;entre o que foi dito e
o que foi ouvido.Numa tradução este segredo é colocado em questão,
quero dizer, é tomado ao pé da letra, nas melhores formas, nas mais
éticas de se fazer uma tradução.Poderia contar um pouco sobre tua
experiência?
Experiência extremamente enriquecedora a da tradução de poesia. O tradutor tem que possuir muita
sensibilidade para tentar se aproximar ao máximo da intenção do texto de partida. Não se pode fugir
do significado nem do significante. O conteúdo e a forma devem ser preservados ao máximo.
O ritmo, a musicalidade e a respiração do poeta precisam ser passíveis de serem transportados para outra língua, a língua de chegada.
3-Neste envolvimento com a letra do outro acabamos nos envolvendo
com o outro. Aliás, somos estruturados enquanto...significantes.Pois
bem...Estes dias tu falavas nela ( eheheheh) naquela com quem tu
estivesse envolvida.Falavas na letra dela como se , de fato, a tivesse
ouvido ao pé da palavra.Quem é ela?A autora dos textos que
traduziste?
Sylvia Plath, poeta norte-americana moderna, nascida em 1932, em Boston.
Suicidou-se aos 30 anos, em Londres, quando já estava separada do poeta
inglês Ted Hughes, e deixando um casal de filhos pequenos. Traduzi, juntamente com o poeta
paranaense Rodrigo Garcia Lopes, aquela que é considerada sua obra fundamental: "Ariel". Sylvia Plath é considerada uma das mais importantes poetas americanas contemporâneas: em 1982, recebeu,postumamente, o prêmio Pulitzer na categoria Poesia, com o livro "The Collected Poems".
4-Deste envolvimento com a letra do outro nunca saímos impunes.
Não dá.O que a letra desta autora fez diferença na tua vida?
A poesia da Sylvia me tocou profundamente. Fiquei extremamente envolvida com o sofrimento dessa mulher sensível, sofrida e talentosa. E foi um exemplo para mim sua força de poder escrever, num momento especialmente doloroso de sua vida, seus melhores poemas, os do livro "Ariel": Sylvia escrevia de madrugada, quando os filhos estavam dormindo. Os 40 poemas que compõem o livro, produziu em poucos meses, sendo que 25 deles, somente em outubro de 1962, poucos meses antes de se suicidar.
E, muito importante, a técnica, o ritmo, a escolha das palavras, tudo para ela foi sempre
fundamental: os sentimentos estavam à mercê da técnica.
5-Também comentavas sobre o “ garimpo” pelos poemas da verdade,
que seriam de fato da autora.Ocorre que ela, a verdade, sempre
irrompe, num momento ou noutro.Esta tua busca fez-me pensar sobre o
que fica, o que um estilo pode fazer surgir no outro como denúncia,
como ética, como voz.O que achas deste poder da palavra?
Pois é, o que comentava contigo é que a 1ª versão de "Ariel" foi feita sob a orientação de Ted
Hughes, que publicou o livro na Inglaterra, em 1965, e nos Estados Unidos, um ano depois. Foi um sucesso! O que não se sabia, e que veio à tona em 2004, graças à filha dos poetas, Frieda Hughes, é que a versão de Ted para "Ariel" não era a versão que a própria Sylvia queria, e que tinha deixado pronta antes de se matar. Ted retirou 13 poemas do projeto de Sylvia, e colocou outros 13, a seu bel-prazer. Felizmente isto foi esclarecido, e publicou-se, então, "Ariel, edição restaurada" com o prefácio da filha, dando estas explicações. Este foi o "Ariel" que Rodrigo e eu traduzimos, ou seja, o "Ariel" que a Sylvia pensou.
6-Acredito que a poesia, a música...sejam as falas que pertencem
as pessoas, na sua diversidade.Mesmo o poema popularmente visto como
“ incompreensível” não tem como ser recebido assim, visto que
ali onde não compreende faz valer uma certa...condição.Falo da
condição do questionamento que um poema, um texto traz, quando não
se trata de entretenimento.Bem...o que achas desta qualidade
subversiva da escrita?
Acho que esta condição de ser subversiva é que faz a diferença, é o que nos faz questionar,
aprofundar inquirições. Sempre prefiro o "incompreensível" nas artes em geral.
7-Seguindo neste tom é fato que da sexualidade nunca se falou
tanto!Focault na “ história da sexualidade, porém, já aponta a
forma interessante com que se FALA dela: num tom confessional (
ehehehehheeh). Concordo.Ele vai mais longe dizendo que se fala para
não exercer uma sexualidade.Já Freud...bem, Freud nas entrelinhas
acaba dizendo que a sexualidade não é passível de recalcamento.Ela
vem!Fala em sublimação não como sexualidade recalcada e sim como
pulsões encaminhadas, talvez ( digo talvez porque adoro repensar
Freud e, quem sabe, construir sempre uma nova forma de escutar).Pois
bem...o que a sexualidade tem em sintonia com a escrita?
A sexualidade, ou o impulso sexual, o erotismo, o desejo, a paixão, são a própria literatura. Não consigo escrever sem estes impulsos. Minha criação traz, nos contos, o impulso de matar ou morrer; nos poemas, a sexualidade à flor da pele. Mas creio que tu poderias analisar muito melhor do que eu estes impulsos.
8-No teu blog encontramos pérolas , como uma que acabei roubando
para o Indecentes Palavras ( eheheheheh). Nele encontro sintonia com
algumas falas do feminino, de autores mulheres e me pergunto se
nós...as “ elas” estamos mais falantes sobre nossos
sonhos.Explico: geralmente é atribuído à mulher um papel de
queixosa.Por certo talvez tenhamos encarnado o papel de quem fala das
necessidades.Porém, neste momento, escuto uma coisa
diferenciada.Não se trata mais de necessidades mas de...sonhos.Falar
dos sonhos num domínio público, como um blog.O que achas?
Acho que é válido, mas sonhos submetidos a técnicas, a se expressar em boa literatura, para que não sejam apenas "diários". Coloco, em meu blog,
muito da voz feminina em suas mais diversas acepções, assim como a voz masculina também, mas sempre privilegiando o talento no manejar a palavra.
9-Sim!Pois que as mulheres sempre falaram mais, apontaram mais as
coisas mas numa perspectiva de conjunto, de família, de todos.O que
é individualizar-se?
Creio que seja a expressão da mulher enquanto mulher indivíduo, com seus conflitos internos, com sua maneira de ver e pensar o mundo, com seus prazeres e dores, enfim, a mulher enquanto um ser por inteiro, posicionada e dona de si. Aquela mulher que pode ficar sozinha consigo mesma e sentir-se preenchida, acolhida por si.
10-E a Cristina é...mãe!( eheheheheh).Acho que aí as coisas
flutuam e nem são barcos(eheheheheh).O que é isso, Cris?
Ser mãe? É maravilhoso demais! É a completude do ser, é a preservação da vida, um continuar que te renova e te dá forças. Faltaria muito em minha vida, se eu não tivesse sido mãe. Adoro meus filhos, adoro ser mãe, adoro a renovação que os filhos constantemente trazem.
11-No livro A Arca Profana tens contos que nos capturam pela
delícia mas, principalmente, pelo inusitado.Na maioria,histórias de
mulheres que poderiam ser qualquer uma de nós.Tu falas de impulsos,
desde matar uma garotinha que tosse até dominar o homem e
matá-lo.Porém, sei pelas falas de um bom café( eheheheh) que
também escreves poesias ( inclusive a Estação da Cultura desta
terrinha foi presenteada com uma poesia sobre carnaval).Mas, nas más
línguas deste mesmo café falavas da crueza da poesia, ou melhor,de
certa forma, da riqueza dela.Pois bem...dos contos à poesia.Então?
Os contos fazem parte de minha vida, há muito tempo. E, estranhamente, sempre tendem ao inusitado,realmente. As personagens, quase sempre são mulheres com um sentimento de desconforto, deinadequação ao mundo que as cerca. É como se a mulher, em meus contos, não tivesse outra saída, que não matar ou morrer. (Não acredito nisto na vida real, hahaha). E a poesia! Estou apaixonada por ela, por escrever poemas de amor, de amor erótico, de amor romântico, de amor, enfim. Há um ano só escrevo poemas. Espero que, um dia, rendam um livro.
12-E os homens Cristina?Achei engraçado que eu saindo de uma
separação, tu relembrando a tua e me perguntas, Por que ficamos mais
tempo quando nem dá mais?...É, né?Tu também é assim? Acho que
sim! ( eheheheheheheheheh).Pois é Cristina, no teu ponto de vista
como está o amor, no sentido das relações entre os pares?
Difícil!!! Amo amar, estar apaixonada. No entanto, conversávamos sobre o tempo que se demora para
sairmos de uma relação, quando ela deixa de te oferecer crescimento, amor, quando a rotina te torna menos viva, muito acomodada. Claro que não é fácil. O fim de um relacionamento causa muita dor,sempre é uma perda. Mas, acho que temos que buscar o mais satisfatório, não desistir do sonho jamais. (Como vês, sou "um pouquinho" romântica...).
13-Poderia nos falar um pouco da tua experiência como professora?
Pois é, dou aulas de inglês há séculos. Gosto de trabalhar individualmente com os alunos, ou em grupos bem pequenos, para que o trabalho tenha mais qualidade.
14-Cristina...qual a diferença entre mestre e professor?Qual a
diferença entre estes lugares subjetivos de passar um conhecimento
enquanto busca ou de apenas passar um conhecimento?
Que pergunta difícil, Adriana! Mas, acho que minha opção por ser professora, passa por uma
necessidade de troca com o ser humano, especialmente por meu trabalho ser bem personalizado, isto é,chego muito perto de meu aluno. Além de transmitir a ele meu conhecimento da língua inglesa, transmito experiências de vida e recebo isso em troca.
15-Poderias nos contar uma experiência, em segredo ( eheheheh),
inusitada, engraçada, na tua vida de escritora, esposa, mãe,
namorada?
O que pensei, neste momento, foi minha hesitação em mostrar a meus filhos, principalmente ao filho
homem, minha produção erótica. Já falei meus poemas em vários saraus, inclusive nos meus (SARAU
LITERÁRIO ZONA SUL), e eles estavam assistindo. Para minha filha, já tinha lido em casa.
Meu filho ouviu os poemas sendo ditos em público. Mas pensei: afinal de contas, todos somos seres eróticos, ou não? Acho até que foi muito positivo eles vivenciarem este lado da mãe deles. E gostaram muito!
16-Quais os trabalhos que podes destacar como os que são do
coração?
Meus? Todos! Contos na coletânea "Pontos de Partilha", contos de "Arca de Impurezas" e "Arca
Profana", que mencionaste, e os poemas que tenho criado. Todos são meus filhos muito queridos também.
17-Amigos...Cristina, o que são amigos?
Com o passar do tempo, percebemos o papel fundamental que os amigos têm em nossa vida. Precisamos deles para vivermos melhor, para compartilharmos experiências, para chorarmos e rirmos juntos. Quero ser tua amiga, viu?
18-Soubemos que recebeste um prêmio em reconhecimento ao teu
trabalho. Podes nos contar um pouco sobre isso?
Foi maravilhoso! Recebi, com várias outras mulheres, o diploma de "Mulheres de Destaque 2011",oferecido pela Sociedade Partenon Literário. A ideia partiu do escritor Benedito Saldanha, grande incentivador da cultura aqui em Porto Alegre. O evento aconteceu na Câmara de Vereadores e me senti muito prestigiada, motivada a continuar com meu trabalho em prol da cultura.Preciso emoldurar o diploma, para lembrar sempre deste estímulo.
19-Estes dias falávamos sobre o mar.Também dizíamos desta
necessidade de estar escrevendo.Tu anunciavas: vou para a praia e lá
desligo.Então?
O mar...coisa maravilhosa, não? Me sinto melhor perto do mar! Mergulho naquelas águas e me sinto muito viva. É um momento, para mim, de muita reflexão sobre o que fiz e estou fazendo de minha vida.Desligo dos compromissos e me ligo em projetos e na criação literária. Várias vezes, durante o ano,tenho necessidade de sentir o mar.
20-Gostaria de deixar aqui no Indecentes Palavras algo “ a
mais”?
Quem sabe um poema?
SEXO
Desejo
assim benfazejo
que bem faz o amor
sem decifrar o código
Desejo
que injeta a seiva
na veia úmida
na boca do gozo
Desejo
que revela minha fome
no ósculo
e, tosco, desvela o promíscuo.
E, Adriana, te agradecer por esta entrevista e por tua inteligência.
Grande beijo,
Cris
Nunca saímos impunes de um mergulho. Sempre somos outros na
descoberta do que nos habita.A tradução em pouso, a denúncia
escrita de que ainda há voz quando se tem um estilo faz da tua obra
outra, a ser descoberta pelo leitor.Traduzir-se na crueza da rua, na
velha casa que sempre perpetua, no final, o que há de verdade.É
nisso que penso quando te ouço falar do teu trabalho, dos teus poemas
e dos teus contos.Porém, quando leio penso...sabe- se lá..., senão
que o registro de uma fala é só o que vale a pena.Sinto-me
agradecida e honrada em compartilhar contido Indecentes Palavras.
Esteja, sempre!
Beijo com todas as letras.
Adriana Bandeira
Cristina Macedo: cris-cristinamacedo.blogspot.com
Parece que transmissão, nesta entrevista, ganha uma ressignificação muito importante...Cristina, faz, e educa e transmite amor poético por todas suas palavras.
ResponderExcluirSylvia Plath é uma de minhas poetas favoritas e a tradução dela e de Rodrigo é impecável, um resgate de uma memória poética.
Um beijo as duas e parabéns Adriana, as entrevistas estão ótimas.
Carmen.
Carmen, obrigada por tuas palavras. Bom saber que leste nossa tradução de "Ariel", minha e do Rodrigo, e que gostas da poesia de Sylvia Plath.
ResponderExcluirA entrevista se torna melhor pela qualidade das perguntas da Adriana.
Beijo,
Cristina
Carmen!Cristina!
ResponderExcluirSó entrevisto gente...boa!(eheheheheheheh).Que tal um café para falarmos de Sylvia?Acho que um café " indecente" seria maravilhoso.Fico grata e honrada com a participação de vocês no Indecentes Palavras.Aprendo, cada vez mais com a escrita e comentários que vocês trazem.E não esqueçam...convidado é sempre recebido.Quando tiverem algo que queiram compartilhar como indecentes palavras, a casa é de vocês.
beijo grande
adriana bandeira