Voltando para casa
Quando me fala esta falta tanta, este cansaço estranho...é quando
encontro a margem da rua onde nasci.De pedrinhas, estrelas salpicadas de
pés e tudo o que viria sem dizer que sim.
sábado, agosto 04, 2012
Esquina de mim
Percebo o tempo nesta dobra diferente do dia em que esqueço,esqueço,esqueço; na ternura dos olhos na madrugada,o prazer estranho de sentir frio e solidão, vontade encarnada de cada segundo de estrada.Percebo o tempo nesta esquina da cidade em que perdi,perdi,perdi...um jeito infantil de dizer não.
Percebo o tempo nesta dobra diferente do dia em que esqueço,esqueço,esqueço; na ternura dos olhos na madrugada,o prazer estranho de sentir frio e solidão, vontade encarnada de cada segundo de estrada.Percebo o tempo nesta esquina da cidade em que perdi,perdi,perdi...um jeito infantil de dizer não.
Terra
Acharam-me estranha ao voltar correndo no tempo, com uma roupa de algodão, ao descer das horas de colheita de uvas.Apontaram-me diferente quando entreguei os dias de abrir estradas e as madrugas a tecer roupas de lã.Olharam-me em suspeita de que havia enlouquecido porque não exitiam mais as uvas e nem o frio.Colocaram-me numa roupa diferente, rindo feito gente dos que chamam sonho de loucura e saudade de dor.E contiuamos ...Araram-me, araram-me...terra semente e flor.
“NOSSO REI MANDOU PEDIR UMA DE VOSSAS FILHAS... EU SOU POBRE,
POBRE, POBRE...Falando da vida com Kleiton Ramil
1- Preciso dizer que aqui não estou isenta, como estes entrevistadores. Não!
Realmente sou parcial rsrsrrs e sinto-me muito bem em falar também. Pois ao
assistir e ouvir a música Bry, à mim, além da beleza da letra, surgiu um som
diferente, de intimidade revelada... como se através dela o compositor quisesse
dizer mais. Isso não é comum a mim. Então lembrei da melodia, daquilo que
cantei em criança, esta denúncia que nem mesma eu sabia: eu sou pobre, pobre,
pobre de marré ,marré, marré... eu sou rica, rica, rica... A parte que mais me
chama a atenção é: nosso rei mandou pedir uma de vossas filhas. Nesta parte
sempre fiquei pensativa... Afinal, sempre alguém, o mundo... nos pede nosso
filho, nossa produção... nosso traço, querendo ou não. Então pensei em Bry
como uma entrega. O que podes me dizer disso, desta tua canção e a história
dela?
Quando morei em Paris, início dos anos 90, fiquei surpreso ao perceber que todas as
crianças conhecem no Brasil essa canção que era praticamente desconhecida por lá. “De
Marré Marré Marré...” refere-se ao bairro Marais, hoje cultuado pelos franceses e a
canção faz referencia aos ricos do Marré de baixo e aos pobres do Marré de cima.
Essa canção infantil caiu como uma luva para abrir a música BRY criada a partir
dessa experiência marcante em minha vida, que foi morar na França. Fiz muitos amigos
por lá, resgatei Kleitons que havia perdido pelo caminho, descobri personas que até
então desconhecia, e remocei uns dez anos pelo menos. Por isso compus esse tema para
levar comigo e dividir com as pessoas aspectos desse momento tão forte. A letra fala
de Bry-Sur-Marne, uma pequena cidade próxima à banlieue parisiense, mas o que as
palavras não conseguem expressar vem através da melodia, da harmonia, das células
rítmicas.
Sim, Bry é uma entrega intensa, parte de minha vida transformada em música,
tanto que ao concluí-la chorei muito movido por enorme gratidão de ter conseguido.
Aproximar-se da forma ideal, ao criar , produz uma avalanche de emoção incontrolável.
Quase todas minhas obras musicais são biográficas, ou pelo menos tratam de coisas
que vivenciei, mas umas são mais verdadeiras do que outras, no sentido de conseguirem
expressar melhor o que se pretende. BRY é uma dessas canções...
2- Lembro dos Almôndegas, do sucesso da dupla Kleiton e Kledir... mas agora é
como se fossem outros, diferentes, melhores. Isso é assim, para ti ou... o público
cresceu, tomou outra forma?
O período do Almôndegas foi muito bonito e poético. Uma grande escola de
vida. Imagina um grupo de amigos (o grupo surgiu de uma turma de 25 pessoas
aproximadamente) todos apaixonados por música, vivendo de roldão atrás de seus
sonhos? Tudo era paixão e deixar acontecer. Nada muito planejado, mas que trazia
importantes resultados movidos pelo prazer diretamente gerado pela música. Havia,
por outro lado, muita ingenuidade e falta de experiência,de profissionalismo. Hoje,
olhando para trás percebo que foi o início de tudo e meu percurso profissional foi
dar prosseguimento aquilo tudo, e até antes daqueles anos 70. Mas ali deu para
perceber que podíamos ambicionar ir muito adiante.
Tanto eu, Kledir e público crescemos juntos acumulando novas experiências
músicas, muitas viagens, estudos, troca de informações com outros artistas...
Muito do que sabemos em música aprende-se fazendo: “O caminho se faz
caminhando”. Mas a isso agregue-se diploma de engenharia + de composição e
regência + mestrado em composição + gostar de pesquisar + curiosidade infinita
+ jeito pra coisa... Daí pode nascer um artista. Não tenho dúvidas que estou sempre
em evolução. A vida artística é muito generosa nesse sentido.
3- A música, o tempo da nota musical... já é uma poesia. A melhor! Então não é
raro que eu pense ser redundante poesia musicada.Porém, existe a letra que casa
com o som e numa parceria belíssima se tem mil poesias. Neste aspecto...poesia,
poesia, poesia. O que é poesia para ti? O que é música?
Não se sabe quem pela primeira vez teve a ideia de juntar um texto a uma música.
Mas com certeza deve ter levado um enorme susto. Há muito poder na música, há
muito poder na poesia. Esses dois mundo reunidos tem um poder incomensurável
e, certamente, instigante se for observado de perto. É maravilhoso, como você diz,
quando as duas vertentes parecem nascidas uma para a outra. Mas não é simples de
dominar essa questão. Prosódia é algo que faz criadores de música mais exigentes
enlouquecerem. Quem sou eu para definir música ou poesia? Só posso dizer que são
boas razões para viver.
4- Quando resgatamos o autor, sua vida, seu cotidiano é somente para apresentar
o quanto é do humano estas “ tais produções artísticas”. É somente destes, nós
mesmos, que pode surgir a arte enquanto trabalho/produção. Quem é o autor de
uma obra?
Muitos anos atrás, compus uma melodia (vocalize da música Circo de Marionetes)
que tinha orgulho de dizer que era uma de minhas mais belas criações melódicas.
Décadas se passaram e, um dia, eu escutava uma obra orquestrada de Mozart quando
ouvi surpreso uma trompa tocando exatamente aquela melodia. Desde então, como já
desconfiava, entendo que um compositor, o autor de uma obra de arte é um repassador
de cultura. Absorvemos tantas coisas interessantes durante nossa vida... É preciso
esforçar-se para merecer esse dom. Receber, repassar. Não é algo de pouco valor poder
servir à musica. É preciso estar disponível.
5- Bem...rsrsr, então vou arriscar: quem é Kleiton?
Quem sou eu? Essa é uma boa pergunta que tenho feito há bastante tempo.
6- Sair do Sul, voltar, turnês, e... a vontade própria. O que é “ a vontade própria?
Olhando para minha carreira, tudo o que se passou comigo, de bom e de ruim, acredito
que fazem parte de um plano, um destino traçado, sobre o qual temos pouco poder.
Claro que todo tempo esforcei-me para imprimir minhas ideias, mas os resultados são
misteriosos.
7- Quando estiveram aqui em Montenegro “Kleiton e Kledir” lembro de uma coisa
engraçada.Passei na rua por ti. Caminhavas pela cidade. Gostas de conhecer os
lugares, as ruas, as entrelinhas? O que são “as entrelinhas”?
Sim. Tenho um prazer especial, em minhas viagens, de me misturar com as pessoas,
as cidades, as culturas locais. Lembro quando nos conhecemos e trocamos algumas
palavras. Tive a impressão de nos conhecermos há muito tempo. Por isso estamos aqui
agora “trocando figurinhas”. Faz sentido. Acima da lógica acredito que temos uma
tribo, espalhada por todo o planeta, com a qual nos identificamos.
Além disso, os artistas, na estrada, podem tornar-se muito solitários se não buscam fugir
dos hotéis e dos compromissos impessoais. A música não resolve tudo.
8- Kleiton: família, cais, palavra e olhar. Poderias nos falar disso... assim como
vier?
Família: dedicação total, tolerância infinita, amor aos borbotões...
Cais: estou sempre a partir, correr riscos, experimentar, perder-me, e retornar para
começar tudo outra vez.
Palavra: pecado não é o que se pensa, mas o que não presta e se transforma em palavras
ou atos.
Olhar: adoro olhar de forma transparente às pessoas. Sem julgamentos prévios.
9- Dizem que aos poetas resta silenciar. Não concordo. O artista nunca silencia
embora, muitas vezes, aparentemente faça isso! Outro dia assisti a uma
entrevista de Geraldo Vandré, que voltava a responder algumas coisas... depois
de anos de suposto silêncio. Percebi, no seu olhar, tanta fala que... se por algum
motivo em alguns momentos continuou calado era muito mais em respeito à
ignorância do entrevistador.rsrsrs...Então, por favor, não fique calado! Rsrsrs
Mas pensando nisso... como tu vês o momento político de nosso “estado” ou
organização enquanto país?
Nasci em uma família que sempre via a política (politicagem) como coisa muito ruim.
Por isso quando penso em política penso de forma ideal, quase ingênua.
Não gosto do que vejo na política brasileira, e nem em outros lugares do planeta. Fala-
se em fim do mundo, mas acho que seria mais proveitoso pensarmos em fim dessa
sociedade que herdamos e não conseguimos modificar. Simpatizo muito hoje em dia
com o movimento Verde que é bem respeitado na Europa. Mas apesar de não ser filiado
a nenhum partido, acho que grandes soluções podem vir daí. Talvez mais da atitude
individual de cada um de nós (vencedor é o que se vence) e da consciência coletiva do
que esperar soluções das “autoridades” que não tem real autoridade ou moral para nada.
10-A incursão de vocês no mundo infantil tem sido... maravilhosa! Minha filha só
canta a dos pirulitos: de chulé, de goiabada rsrsrsrs. Como isso foi acontecendo?
quero dizer...subjetivamente contigo...
Antes de ter filhos, eu já era o tio bagunceiro que criava brincadeiras e estripulias para
a criançada da família. Sempre foi natural para mim essa relação. Acredito que veio do
fato que minha infância foi muito boa, com muita criatividade e espaço para expandir
corpo e mente. Até hoje me sinto um “crianção”, às vezes. Com o disco Par ou Ímpar
e mais recentemente a relação com o grupo Tholl, com quem montamos um belíssimo
espetáculo que gerou o DVD, toda essa boa energia veio à tona. Até pular corda estou
pulando no palco. Meu coração também pula de alegria...
11-Não posso deixar de perguntar... e a maravilhosa parceria de anos com o mano
Kledir?
Falou bem, maravilhosa... Realizar o impossível, juntos. Não sabemos muito bem
até onde somos um e outro na nossa obra. É um exercício constante de humildade e
perseverança. Com muitas alegrias, claro. E isso vem da infância, mas acredito que já
éramos amigos mesmo antes de nascermos...
12-Dizem alguns e me incluo que a música e a letra são a pele, de verdade. Sem
isso, o som e a letra, estamos em carne viva. Então, na minha área, não é raro
assistirmos a mudança de discurso, de lugar subjetivo resultar num poetar.
Sendo algo humano, nada mais natural que isso... Porém, neste mesmo contexto,
existe a fala em que o sujeito não se coloca, apenas exprime o que imagina
que querem dele e existe a fala própria, onde o sujeito está implicado, falando,
gritando o que lhe morde. Nas duas formas, é o sujeito a lidar com um si mesmo.
Mas, afinal... como saber o que é legítimo? Ou as duas formas seriam legítimas?
Acho que não existem artistas 100% legítimos, como gostaríamos. Talvez um Rimbaud,
um Kafka, muitos poucos o tenham sido. Algum desconhecido? Mas a realidade é
dura e crua. Em alguns momentos abençoados abrem-se as comportas e a arte surge.
Nesses momentos alguns privilegiados conseguem entregar-se na sua totalidade. Mas
a maioria dos artistas profissionais oscilam entre a prática do cotidiano, e a arte em si.
São raros os que conseguem resistir aos apelos do sucesso, da vida confortável e sem
preocupações apenas para se entregar de corpo e alma a uma vida artística perfeita.
Vivemos tempos de muita banalidade.
13- rsrsr...Porto Alegre...rsrs
Porto Alegre é meu porto...
14-Nesta grande trajetória o que tu destacarias como os principais acontecimentos
de uma vida, até agora?
Profissionalmente vivi momentos maravilhosos com a música, mas no fim das contas
o que realmente pesa na balança são as coisas mais simples. O nascimento dos filhos, a
presença dos amigos, eternos amigos, cada novo dia que nasce, cada nova canção...
15- Gostarias de dizer mais alguma coisa?
Obrigado pelo convite.
Kleiton, sinto-me honrada em te receber na minha casa, nestas indecentes palavras,
como toda letra que nunca diz tudo, é. (E elas ...não dizem tudo porque querem voltar
a dizer!) Principalmente no momento em que vocês escrevem e compõem às crianças...
nesta vontade de falar com os que logo e já estão. Então é a poesia e música do tempo
de hoje, nesta verdade que nos habita e quer saber sobre todos estes, nós todos, que
compomos o dia-a-dia, longe do que nos faz morrer. Bem,... a vida sempre arde!
Mas “dá uma vontade de...” Viver?
Agradeço tua visita e sinta-se convidado sempre em Indecentes Palavras!
Beijo com todas as letras!
POBRE, POBRE...Falando da vida com Kleiton Ramil
1- Preciso dizer que aqui não estou isenta, como estes entrevistadores. Não!
Realmente sou parcial rsrsrrs e sinto-me muito bem em falar também. Pois ao
assistir e ouvir a música Bry, à mim, além da beleza da letra, surgiu um som
diferente, de intimidade revelada... como se através dela o compositor quisesse
dizer mais. Isso não é comum a mim. Então lembrei da melodia, daquilo que
cantei em criança, esta denúncia que nem mesma eu sabia: eu sou pobre, pobre,
pobre de marré ,marré, marré... eu sou rica, rica, rica... A parte que mais me
chama a atenção é: nosso rei mandou pedir uma de vossas filhas. Nesta parte
sempre fiquei pensativa... Afinal, sempre alguém, o mundo... nos pede nosso
filho, nossa produção... nosso traço, querendo ou não. Então pensei em Bry
como uma entrega. O que podes me dizer disso, desta tua canção e a história
dela?
Quando morei em Paris, início dos anos 90, fiquei surpreso ao perceber que todas as
crianças conhecem no Brasil essa canção que era praticamente desconhecida por lá. “De
Marré Marré Marré...” refere-se ao bairro Marais, hoje cultuado pelos franceses e a
canção faz referencia aos ricos do Marré de baixo e aos pobres do Marré de cima.
Essa canção infantil caiu como uma luva para abrir a música BRY criada a partir
dessa experiência marcante em minha vida, que foi morar na França. Fiz muitos amigos
por lá, resgatei Kleitons que havia perdido pelo caminho, descobri personas que até
então desconhecia, e remocei uns dez anos pelo menos. Por isso compus esse tema para
levar comigo e dividir com as pessoas aspectos desse momento tão forte. A letra fala
de Bry-Sur-Marne, uma pequena cidade próxima à banlieue parisiense, mas o que as
palavras não conseguem expressar vem através da melodia, da harmonia, das células
rítmicas.
Sim, Bry é uma entrega intensa, parte de minha vida transformada em música,
tanto que ao concluí-la chorei muito movido por enorme gratidão de ter conseguido.
Aproximar-se da forma ideal, ao criar , produz uma avalanche de emoção incontrolável.
Quase todas minhas obras musicais são biográficas, ou pelo menos tratam de coisas
que vivenciei, mas umas são mais verdadeiras do que outras, no sentido de conseguirem
expressar melhor o que se pretende. BRY é uma dessas canções...
2- Lembro dos Almôndegas, do sucesso da dupla Kleiton e Kledir... mas agora é
como se fossem outros, diferentes, melhores. Isso é assim, para ti ou... o público
cresceu, tomou outra forma?
O período do Almôndegas foi muito bonito e poético. Uma grande escola de
vida. Imagina um grupo de amigos (o grupo surgiu de uma turma de 25 pessoas
aproximadamente) todos apaixonados por música, vivendo de roldão atrás de seus
sonhos? Tudo era paixão e deixar acontecer. Nada muito planejado, mas que trazia
importantes resultados movidos pelo prazer diretamente gerado pela música. Havia,
por outro lado, muita ingenuidade e falta de experiência,de profissionalismo. Hoje,
olhando para trás percebo que foi o início de tudo e meu percurso profissional foi
dar prosseguimento aquilo tudo, e até antes daqueles anos 70. Mas ali deu para
perceber que podíamos ambicionar ir muito adiante.
Tanto eu, Kledir e público crescemos juntos acumulando novas experiências
músicas, muitas viagens, estudos, troca de informações com outros artistas...
Muito do que sabemos em música aprende-se fazendo: “O caminho se faz
caminhando”. Mas a isso agregue-se diploma de engenharia + de composição e
regência + mestrado em composição + gostar de pesquisar + curiosidade infinita
+ jeito pra coisa... Daí pode nascer um artista. Não tenho dúvidas que estou sempre
em evolução. A vida artística é muito generosa nesse sentido.
3- A música, o tempo da nota musical... já é uma poesia. A melhor! Então não é
raro que eu pense ser redundante poesia musicada.Porém, existe a letra que casa
com o som e numa parceria belíssima se tem mil poesias. Neste aspecto...poesia,
poesia, poesia. O que é poesia para ti? O que é música?
Não se sabe quem pela primeira vez teve a ideia de juntar um texto a uma música.
Mas com certeza deve ter levado um enorme susto. Há muito poder na música, há
muito poder na poesia. Esses dois mundo reunidos tem um poder incomensurável
e, certamente, instigante se for observado de perto. É maravilhoso, como você diz,
quando as duas vertentes parecem nascidas uma para a outra. Mas não é simples de
dominar essa questão. Prosódia é algo que faz criadores de música mais exigentes
enlouquecerem. Quem sou eu para definir música ou poesia? Só posso dizer que são
boas razões para viver.
4- Quando resgatamos o autor, sua vida, seu cotidiano é somente para apresentar
o quanto é do humano estas “ tais produções artísticas”. É somente destes, nós
mesmos, que pode surgir a arte enquanto trabalho/produção. Quem é o autor de
uma obra?
Muitos anos atrás, compus uma melodia (vocalize da música Circo de Marionetes)
que tinha orgulho de dizer que era uma de minhas mais belas criações melódicas.
Décadas se passaram e, um dia, eu escutava uma obra orquestrada de Mozart quando
ouvi surpreso uma trompa tocando exatamente aquela melodia. Desde então, como já
desconfiava, entendo que um compositor, o autor de uma obra de arte é um repassador
de cultura. Absorvemos tantas coisas interessantes durante nossa vida... É preciso
esforçar-se para merecer esse dom. Receber, repassar. Não é algo de pouco valor poder
servir à musica. É preciso estar disponível.
5- Bem...rsrsr, então vou arriscar: quem é Kleiton?
Quem sou eu? Essa é uma boa pergunta que tenho feito há bastante tempo.
6- Sair do Sul, voltar, turnês, e... a vontade própria. O que é “ a vontade própria?
Olhando para minha carreira, tudo o que se passou comigo, de bom e de ruim, acredito
que fazem parte de um plano, um destino traçado, sobre o qual temos pouco poder.
Claro que todo tempo esforcei-me para imprimir minhas ideias, mas os resultados são
misteriosos.
7- Quando estiveram aqui em Montenegro “Kleiton e Kledir” lembro de uma coisa
engraçada.Passei na rua por ti. Caminhavas pela cidade. Gostas de conhecer os
lugares, as ruas, as entrelinhas? O que são “as entrelinhas”?
Sim. Tenho um prazer especial, em minhas viagens, de me misturar com as pessoas,
as cidades, as culturas locais. Lembro quando nos conhecemos e trocamos algumas
palavras. Tive a impressão de nos conhecermos há muito tempo. Por isso estamos aqui
agora “trocando figurinhas”. Faz sentido. Acima da lógica acredito que temos uma
tribo, espalhada por todo o planeta, com a qual nos identificamos.
Além disso, os artistas, na estrada, podem tornar-se muito solitários se não buscam fugir
dos hotéis e dos compromissos impessoais. A música não resolve tudo.
8- Kleiton: família, cais, palavra e olhar. Poderias nos falar disso... assim como
vier?
Família: dedicação total, tolerância infinita, amor aos borbotões...
Cais: estou sempre a partir, correr riscos, experimentar, perder-me, e retornar para
começar tudo outra vez.
Palavra: pecado não é o que se pensa, mas o que não presta e se transforma em palavras
ou atos.
Olhar: adoro olhar de forma transparente às pessoas. Sem julgamentos prévios.
9- Dizem que aos poetas resta silenciar. Não concordo. O artista nunca silencia
embora, muitas vezes, aparentemente faça isso! Outro dia assisti a uma
entrevista de Geraldo Vandré, que voltava a responder algumas coisas... depois
de anos de suposto silêncio. Percebi, no seu olhar, tanta fala que... se por algum
motivo em alguns momentos continuou calado era muito mais em respeito à
ignorância do entrevistador.rsrsrs...Então, por favor, não fique calado! Rsrsrs
Mas pensando nisso... como tu vês o momento político de nosso “estado” ou
organização enquanto país?
Nasci em uma família que sempre via a política (politicagem) como coisa muito ruim.
Por isso quando penso em política penso de forma ideal, quase ingênua.
Não gosto do que vejo na política brasileira, e nem em outros lugares do planeta. Fala-
se em fim do mundo, mas acho que seria mais proveitoso pensarmos em fim dessa
sociedade que herdamos e não conseguimos modificar. Simpatizo muito hoje em dia
com o movimento Verde que é bem respeitado na Europa. Mas apesar de não ser filiado
a nenhum partido, acho que grandes soluções podem vir daí. Talvez mais da atitude
individual de cada um de nós (vencedor é o que se vence) e da consciência coletiva do
que esperar soluções das “autoridades” que não tem real autoridade ou moral para nada.
10-A incursão de vocês no mundo infantil tem sido... maravilhosa! Minha filha só
canta a dos pirulitos: de chulé, de goiabada rsrsrsrs. Como isso foi acontecendo?
quero dizer...subjetivamente contigo...
Antes de ter filhos, eu já era o tio bagunceiro que criava brincadeiras e estripulias para
a criançada da família. Sempre foi natural para mim essa relação. Acredito que veio do
fato que minha infância foi muito boa, com muita criatividade e espaço para expandir
corpo e mente. Até hoje me sinto um “crianção”, às vezes. Com o disco Par ou Ímpar
e mais recentemente a relação com o grupo Tholl, com quem montamos um belíssimo
espetáculo que gerou o DVD, toda essa boa energia veio à tona. Até pular corda estou
pulando no palco. Meu coração também pula de alegria...
11-Não posso deixar de perguntar... e a maravilhosa parceria de anos com o mano
Kledir?
Falou bem, maravilhosa... Realizar o impossível, juntos. Não sabemos muito bem
até onde somos um e outro na nossa obra. É um exercício constante de humildade e
perseverança. Com muitas alegrias, claro. E isso vem da infância, mas acredito que já
éramos amigos mesmo antes de nascermos...
12-Dizem alguns e me incluo que a música e a letra são a pele, de verdade. Sem
isso, o som e a letra, estamos em carne viva. Então, na minha área, não é raro
assistirmos a mudança de discurso, de lugar subjetivo resultar num poetar.
Sendo algo humano, nada mais natural que isso... Porém, neste mesmo contexto,
existe a fala em que o sujeito não se coloca, apenas exprime o que imagina
que querem dele e existe a fala própria, onde o sujeito está implicado, falando,
gritando o que lhe morde. Nas duas formas, é o sujeito a lidar com um si mesmo.
Mas, afinal... como saber o que é legítimo? Ou as duas formas seriam legítimas?
Acho que não existem artistas 100% legítimos, como gostaríamos. Talvez um Rimbaud,
um Kafka, muitos poucos o tenham sido. Algum desconhecido? Mas a realidade é
dura e crua. Em alguns momentos abençoados abrem-se as comportas e a arte surge.
Nesses momentos alguns privilegiados conseguem entregar-se na sua totalidade. Mas
a maioria dos artistas profissionais oscilam entre a prática do cotidiano, e a arte em si.
São raros os que conseguem resistir aos apelos do sucesso, da vida confortável e sem
preocupações apenas para se entregar de corpo e alma a uma vida artística perfeita.
Vivemos tempos de muita banalidade.
13- rsrsr...Porto Alegre...rsrs
Porto Alegre é meu porto...
14-Nesta grande trajetória o que tu destacarias como os principais acontecimentos
de uma vida, até agora?
Profissionalmente vivi momentos maravilhosos com a música, mas no fim das contas
o que realmente pesa na balança são as coisas mais simples. O nascimento dos filhos, a
presença dos amigos, eternos amigos, cada novo dia que nasce, cada nova canção...
15- Gostarias de dizer mais alguma coisa?
Obrigado pelo convite.
Kleiton, sinto-me honrada em te receber na minha casa, nestas indecentes palavras,
como toda letra que nunca diz tudo, é. (E elas ...não dizem tudo porque querem voltar
a dizer!) Principalmente no momento em que vocês escrevem e compõem às crianças...
nesta vontade de falar com os que logo e já estão. Então é a poesia e música do tempo
de hoje, nesta verdade que nos habita e quer saber sobre todos estes, nós todos, que
compomos o dia-a-dia, longe do que nos faz morrer. Bem,... a vida sempre arde!
Mas “dá uma vontade de...” Viver?
Agradeço tua visita e sinta-se convidado sempre em Indecentes Palavras!
Beijo com todas as letras!
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